segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Prajna - Curso do Gustavo Gitti no CEBB Rio

Prajna. Curso do Gustavo Gitti no CEBB Rio. Dezembro de 2015. Minhas anotações 

Budismo se resume a três práticas:

1- Energia estável autônoma. Shamata.
2- Lucidez. Sabedoria do silêncio. Prajna. Olhar não perturbado.
3- Compaixão. Bodicita. Metabavana.

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Tudo no Budismo é para liberar o sofrimento. Sabedoria é o que mais funciona (Prajna).

Essa teoria tem a ver com a vida da Pessoa. Não separar. Importância de falar como foi a semana na sanga: mostrar as dificuldades de manter a visão sem condicionamentos de cada um ajuda a analisar a própria vida.

Na visão prajna, é como se tudo que qualquer pessoa nos diga seja mentira.
Prajna é liberar qualquer sensação de solidez. Acaba com a necessidade de qualquer terapia. Tudo é sonho. Inclusive o passado.

É preciso liberar as coisas e a vida. Nascemos no processo condicionado. Nascemos tortos. A partir de condicionantes. O carma gera a individualidade.  Para a liberação não podemos levar nada. É preciso soltar. Não há algo topo numa carreira ou acúmulo em um eu praticante no caminho budista.

Liberar é rir para as coisas. Átomos. Big bang. Nós estarmos no Rio de Janeiro, com mãe,  esposa, idade, carteira de identidade etc.

Nossa vida parece maior que a prática. Deveria ser o contrário. Prajna explode a visão tradicional.

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O único jeito de ir além de vida é morte é não ser uma pessoa. É ABRIR ESPAÇO PARA AS SABEDORIAS ATEMPORAIS.

Não há como entender. Melhor ver além de nossos conceitos e visões limitadas. Não é entender!

Queremos chão e certezas mas o prajnaparamita tira o chão e as certezas.

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Geralmente, a gente nunca olha pras coisas, apenas reagimos. Olhando com sabedoria todas as coisas perdem poder. Todas.

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1a prática - não reagir
2a - olhar (a bolha de realidade como bolha)

Qualquer aparência não reconhecida faz a gente nascer dentro de um bolha.

Todos os sofrimentos são assim. Todas as experiências. Prajna é um ensinamento temporário para sair da bolha. Shamata fora da bolha é repousar na presença.

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Com base em coisas sem base construímos coisas enormes.  Como começa um namoro? Como uma parede começa? A partir de que número de tijolos? Como surge o tijolo? Quando deixa de ser barro? Como surge o CEBB?

Do ponto de vista do Prajna,  casar é igual a pintar uma parede de azul.

Nossa vida não deve atrapalhar nosso caminho de bodisatva. Os referenciais mudam todos com a prática. É mais importante não achar que somos seres tortos do que tentar desentortar ou fazer análise, terapia, tentar resolver etc.

"As coisas não são o que parecem. Nem qualquer outra coisa." - Lakavantara sutra

É como se houvesse a Matrix realmente mas sem Sião, sem qualquer outra coisa.

Não há tempo ou lugar melhor para sair do sonho.

Não devemos criar num identidade a mais de praticante.

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Dançar, brincar, sorrir das aparências.

Acreditar em duendes ou em marido é a mesma coisa.

Só com Prajna entendemos grandes praticantes voarem ou marcarem pedras com as mãos de forma natural. Que nem andar de metrô.

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Em qualquer momento do sonho é a mesma dificuldade para sair dele. Não cair na armadilha de momento ou lugar ideal. Agora é nas condições atuais é o ideal sempre.

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Todas as coisas que parecem dadas se tornam dúvida com o Prajna. De onde vem o azul que vemos nos objetos? Não está nos objetos, nem entre os olhos e os objetos, nem nos olhos.

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Avidya: no sonho e na vida não vemos o começo. No sonho conseguimos ver algo além do nascimento e morte do sonho. Temos que fazer isso com a vida. Isso é Prajna.

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A partir do Prajna começamos a apreciar tudo. Termos duas mãos. Dez dedos. Realidade mais lúdica. A compreensibilidade da linguagem (que é a própria compaixão, Chenrezig, segundo o Lama).

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Prajna é momento a momentos. segundo a segundo. Costurando momentos contamos histórias e entramos em bolhas. Momento a momento não há namoro. Há uma conversa, um olhar etc.

Não há problemas voltar pra bolhas. Temos vislumbres rápidos. O grande trabalho é estabilizar.

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Exemplo de bolha sem sentido: futebol.  Torcemos para camisas. Os jogadores mudam. Termos energia condicionada por uma bola entrar ou não num lugar. Milhões em dinheiro por isso. Pessoas se matando.

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É preciso parar. É a reação que sustenta a bolha. Diário como forma de não soltar. Melhor ficar quieto. Se você para não há sofrimento. O sofrimento é como um beliscão que nos damos constantemente.  Na realidade (espaço livre) não tem sofrimento.

Não se nega a realidade relativa das coisas. O sofrimento vem de não relativizar. Ver solidez. Não ver a construção. Não ver como a experiência de algo, mas algo sólido.

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4 jeitos de operar:

Ex.: medo do escuro

1- grosseira. Resolver. Acender a luz.
2- disciplina. Repressão.
3- mudança de paisagem. Mudar de bolha. Ressignificar o escuro, lembrar de algo bom no escuro.
4- liberar. Só olhar. Uau!

Com a morte nenhuma das três funciona. Só a quarta.

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Caminho octuplo:
6- shamata (seria como a tecnologia)
7- prajna (seria como a ciência)

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Buda não mantém teorias arbitrárias sobre a realidade. Sabedoria não é construção ou teoria. É silêncio não condicionado. Do lugar não construído, vemos as construções.

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Vacuidade é vaziez

Forma é aparência.  É experiência de algo.

Na ciência também tudo é aparência. Não se chega a alguma coisa.

Vacuidade tá ligada com a liberdade. Não tem Fabio no Fabio. :)

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Prajna: Além dos extremos, sem ser intermediário. Ser e não ser. Extremos impedem de ver a natureza livre.

Tetralema de Nagarjuna (serve para qualquer afirmação )

1- é
2- não é
3- é e não é
4- não é nem é

Vazio é forma: nega o vale tudo. Vacuidade sem ética é porque você não entendeu a vacuidade. Dentro do sonho, quanto mais entendemos que as coisas são vazias e luminosas, mais cuidado e ética.

Na própria aparência é que vemos essa liberdade. A vaziez. A vacuidade.

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Forma é vazio. Vazio é forma.

Não tem algo. Nem não tem.

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O Darma está escrito nos darmas (aparências).

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No Budismo temos seis mentes. 5 associadas aos sentidos mais a mente da mente. Todas deludidas. :)

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Avidya: a aparência que a própria mente criou começa a controlar a mente. Nos prendemos nos mundos que criamos. A gente acha que o mundo é autossustentável, mas nós é que sustentamos com nosso olhar as bolhas de realidade que criamos.

OBS.: Melhor evitar qualquer coisa que gere sofrimento. Ainda mais se desenvolvermos nossa prática e pudermos ver como as ações pequenas podem causar um sofrimento enorme, justamente pela vacuidade de tudo  aceitar qualquer luminosidade. Em nós mesmos pelo carma ou diretamente na outra pessoa. Exemplo: você trai e a pessoa e ela se mata por causa disso... Imagine o carma negativo gerado para ambos! A visão de Prajna aumenta nossa responsabilidade ética e não o contrário ("Vale tudo, se é tudo vazio").

Gustavo Gitti - Relacionamentos lúcidos - palestra Cebb Rio - dezembro de 2015

Gustavo Gitti - Relacionamentos lúcidos - palestra Cebb Rio - dezembro de 2015 -  Meu resumo e anotações

Buda fala a realidade e não suas ideias próprias.
Experiência condicionada. Experiência cíclica de insatisfação. Duka. A causa da felicidade é a mesma do sofrimento. Se for condicionada.

Ansiedade: queremos a saída sem entender o sofrimento. A primeira coisa é olhar o sofrimento próprio e ao redor.

Começo de namoro: A causa da felicidade já sabemos que será a mesma do sofrimento. Nossa dependência energética. No início do início do namoro, deixamos noa abalar uma demora na resposta do whatsapp etc. É a mesma dependência energética que vai fazer doer a falta no final do namoro. Como se entrássemos numa piscina estranhando: "Está me molhando!" "Está me molhando!"

Não tem ninguém feliz apesar das fotos do Facebook. Perguntem às pessoas. Casal - estão repousados. Muitas vezes um deixando o outro mais estagnado. Em geral, não é amor genuíno e sem apego.

Duka é como a própria respiração. Não dá para parar. Igual a ajustar de posição na meditação. Nunca encontramos uma bolha dourada. Um galho último.  Não há cobertor que nos cubra inteiros. Procurar no samsara é perda de tempo. A saída é a iluminação.

Exemplo: Entramos numa relação com uma pessoa cuja mente não para pôr três segundos. Ela fala - eu te amo e que vai cuidar muito de você - mas como acreditar? Como procurar estabilidade assim? Não tem como dar certo. Com energia condicionada. Dependendo do outro e de suas ações para a nossa energia. Para completar, entramos na relação autocentrados. Mas de outro modo é  possível. Por que não começar com ambos fazendo shamata? :)

Por isso, é preciso estudar a origem mais sutil do sofrimento. Por que sofremos?
Estamos há muito tempo colecionando soluções mas não sabemos qual é o problema.
O problema não é falta ou excesso de sexo ou liberdade. Nem amor livre ou padrão.

Para não perder tempo, eh preciso buscar a solução mais profunda. É possível liberar o sofrimento em nós é nos outros.

Nossos meios hábeis vão vir justamente de olhar nosso próprio caminho de sofrimento. Por exemplo, ser traído ajuda a ajudar traídos.

O desejo no fundo é chegar em casa, paz. Então o que queremos mesmo é a iluminação. Nunca encontraremos isso com as coisas do mundo todas, inclusive relações.

Mudanças no caminho não mudam a insatisfatoriedade. Exemplo: largar emprego. Daqui a pouco a pessoa já está pirando por não ter nada pra fazer... É assim com tudo no mundo.
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Terceira nobre verdade: a liberação é possível. É preciso confiar na total liberação. Por exemplo, total liberação do ciúme. Total liberação da competição. É preciso de algo total. Acreditarmos nisso. Mesmo ainda não estando com esta capacidade.
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Quarta nobre verdade: há o caminho. Precisamos praticar. Se há um caminho, é possível!
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Tipos do sofrimento :
1- sofrimento da dor (evidente, o próprio sofrimento)
2- sofrimento da mudança, da impermanência. Incapacidade de estabilização em bolhas, mesmo boas. Castelos de areia.
3- sofrimento todo pervasivo. Cuja origem é a ignorância. Só o fato de estar na bolha. Exemplo: achar que está casado. Achar que é um marido. Achar que há uma esposa. "Se achando". Operando com avidya. Difícil liberação. Para sair: prajna! Sair do excesso de seriedade. Não acreditar tão solidamente nos papéis que desempenhamos no teatro da vida.
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Pessoa sofrendo ao contar sua dor: dá detalhes. Quer que você entenda. Detalhes inúteis. Apenas conta fatos. Nível grosseiro. ("Estou me molhando!") Não analisa o principal, além dos fatos: porque a afeta. Nível sutil.
Todos os conselhos são tentar resolver ou controlar no nível grosseiro. Inútil. Melhor não dar conselho assim, em geral. Primeira nobre verdade: o mundo não é consertável. As coisas não são resolviveis. Isso é um alívio!
Há um lugar onde está tudo resolvido. A terceira nobre verdade.

A felicidade não vem de histórias ou ajustes. Nem de histórias que deram certo.
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Exemplo: Traição. Eh apenas uma relação  paralela, mesmo que seja algo não ético e que cause sofrimento. Mas é melhor evitar.

Melhor evitar qualquer coisa que gere sofrimento. Ainda mais se desenvolvermos nossa prática e pudermos ver como as ações pequenas podem causar um sofrimento enorme, justamente pela vacuidade de tudo  aceitar qualquer luminosidade. Em nós mesmos pelo carma ou diretamente na outra pessoa. Exemplo: você trai e a pessoa e ela se mata por causa disso... Imagine o carma negativo gerado para ambos! A visão de Prajna aumenta nossa responsabilidade ética e não o contrário ("Vale tudo, se é tudo vazio").

Ao mesmo tempo, olhando do ponto de vista do traído (e não como desculpa para trair), comparemos com a amizade. A amizade é uma relação paralela. Por que não nos faz sofrer tanto? Pode dar a mão?  Pode. O ombro? Rs. Qual o limite? Há uma questão cultural etc.
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O traído sofre não é pelo que o outro fez. Início de toda relação: surgiu energia. Não interessa a história.  No segundo encontro, mantém a energia. O que interessa não é o outro, é a energia q surge em nós. Poder um sobre o outro e controle. Não percebemos que isso nos controla: nossa energia na dependência do outro. Condicionada. Isso é o início real de toda relação. Tudo faz sentido e brilha quando apaixonamos. Mas a causa não é nada do que a pessoa faz ou fala ou é: é a energia condicionada se manifestando em nós.
Por isso, se supera um ex com muita facilidade, em geral, ao se apaixonar por outra pessoa.
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A saída : energia autônoma
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Todos andam com energia baixa, reféns das pessoas que a aumentam. Famintos. Mesmo em coisas menores. Um olhar. Um e-mail etc.
Mas o outro não tem esse poder. Quem brilha é a gente. É a nossa energia.
Não bancamos os nosso mundo interno. O outro ganha a tarefa de não nos perturbar.
Experimentar: uma semana sem exigir nada de ninguém. Sem cobrar, sem reclamar, sem pedir explicação, sem fazer jogos em busca de mais energia condicionada.
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Nossas teorias de como a vida deveria ser nos impedem de olhar pra vida.
Problemas na crise:
1-Reatividade rápida. Com seriedade e fixação e não um autoexame com mais calma. Conclusão rápida.
2-Muitas certezas
Repetimos infinitas vezes as ações negativas que o outro nos fez por dias. O corpo reage como se fosse o fato original toda vez. Biologicamente comprovado. Melhor soltar. Não há solidez. Não congelar o outro. Deixar sem resolver ou entender ou vingar etc. Apenas soltar.
No meio da depressão ou crise a gente se distrai e fica bem. Mas lembramos... onde está a traição agora? Onde está o processo de divórcio agora? Não há essa solidez. Isso é avidya. A gente sofre pelo pensar. De nossa solidificação de falas do outro. Mas as falas são emocionais e passageiras, mudam. Não ver solidez em elogios nem em falas negativas. Ou atos.
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Saída :
Energia autônoma
Mais brincadeira. Menos solidez. Perceber que não há namoradas ou esposas, só pessoas livres. Nem nada no samsara. Coemergência.
Olhar quando começou o namoro. Difícil achar o exato momento.
Não é preciso entender ou resolver histórias. É só soltar. Seguimos respirando. Segue tudo igual. Respira. É só o que precisamos. Respirar.
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Autocentramento. Terceira causa. Visão utilitária dos outros. Quem sofre só fala de si mesmo. É a raiz do sofrimento.  Melhor desejar que todas as pessoas sejam felizes do que querer arrumar nossos "meus". Inclusive meu casamento e meu namoro.
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Amar é desejar a felicidade do outro.
Só conseguimos sendo verdadeiramente felizes. Temos que achar que a felicidade verdadeira é possível.

Outros links sobre nossa cegueira no amor romântico:

terça-feira, 20 de outubro de 2015

6 emoções perturbadoras (ligadas aos 6 reinos)

  1. Orgulho (reino dos deuses) - Antídoto: equanimidade (olhar os outros inicialmente como iguais/sofredores/buscando a felicidade) depois pensar nas qualidades BOAS dos outros, refúgio e bodicita
  2. Inveja e Ciúmes (reino dos asuras ou semi-deuses) - Antídoto: regozijo, felicidade pelo sucesso dos outros e contentamento com a nossa situação atual
  3. Desejo e Apego (reino dos humanos) - Antídoto: generosidade, observar os aspectos ruins e impermanentes do objeto desejado
  4. Obtusidade Mental e Preguiça (reino dos animais) - Antídoto: energia (ou esforço) constante - independente de fatores externos, concentração
  5. Carência e Insatisfatoriedade (reino dos fantasmas famintos) - Antídoto: gratidão 
  6. Raiva e Medo (reino dos infernos) - Antídoto: paciência, bondade, amor altruísta, compaixão, fé

As 6 emoções perturbadoras (ligadas aos 6 reinos da roda da vida) tendem a nos fazer praticar as 10 ações não-virtuosas e podem ser combatidas com algumas das 6 perfeições e 4 incomensuráveis, além da sabedoria da prajnaparamita.

- Veja também: 

10 ações não-virtuosas (de corpo, fala e mente)

  1. Matar (ação de corpo)
  2. Roubar (ação de corpo)
  3. Conduta sexual imprópria (ação de corpo)*
  4. Mentir (ação de fala)
  5. Agredir os outros verbalmente (ação de fala)
  6. Criar intrigas ou fofocas, difamar, gerar discórdia (ação de fala)
  7. Falar inutilmente, tagarelar (ação de fala)
  8. Ensinar coisas indevidas, visão errônea (ação de mente)
  9. Sentir raiva ou aversão a outros seres, má vontade (ação de mente)
  10. Manifestar avareza (ação de mente)


*Conduta sexual imprópria tem uma enormidade de detalhes e varia conforme a tradição. Podemos considerar, para facilitar, que conduta sexual imprópria seria qualquer ato sexual que cause sofrimento ao outro.

Estas ações se originam das 6 emoções perturbadoras.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Sobre retiros - Dicas

Em retiros, aproveitem as práticas em grupo! Meditem sempre que possível! Façam todos os pujas! Mesmo que seja seu primeiro contato, não entendam bem ou não sintam uma grande conexão, se beneficiarão só de estar ali.

Pensando em mim mesmo nas primeiras vezes que fui, achava que não tinha muita conexão com a prática de puja então não fazia muita questão de ir, não entendia muita coisa também. A meditação em grupo eu achava mais difícil que sozinho também (pessoal falando ou passando me desconcentrava), mas já sentia algo mágico na presença do Lama. Hoje em dia - pelo estudo - eu sei que repetir mantras ou as preces das sadanas no puja em grupo potencializa as práticas, assim como meditar. E desenvolvi uma percepção maior desses benefícios: as preces, mantras e meditações com a sanga toda eu sinto muito mais poderosas. Inclusive me "abastecem" para a prática solitária por um bom tempo, tanto na qualidade quanto na disposição para fazê-las (e por mais tempo também). Essa sensação de "abastecimento energético" ouvi também de várias pessoas da sanga.

Mas é bom lembrar que se qualquer causa exterior fez você se sentir melhor no retiro, é porque você tem isso em você. Assim, é possível manter esse estado por si mesmo, ou - pelo menos - prolongá-lo o máximo possível.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

4 formas de ação de Guru Rinpoche

Como agir perante negatividades ou alguém agindo de forma prejudicial a si mesmo e a outros ou quaisquer situações difíceis?
  1. Ação de poder - não se abalar, não se perturbar (energia constante)
  2. Ação pacificadora - entender a bolha de realidade do outro, apoiar, pacificar a si mesmo entendendo melhor o outro
  3. Ação incrementadora - mostrar as qualidades do outro (sempre há)
  4. Ação irada - a partir da confiança gerada, cortar as negatividades do outro. ser enérgico, mas sem raiva ou algo contra o ser. a motivação deve ser sempre compassiva, de ajudar, de "tirar o espinho do outro".
(Estas ações são baseadas na sabedoria da causalidade, que é uma das cinco sabedorias.)

Uma das fontes, nessa palestra do Lama Padma Samten no youtube, em 1h 07min. Quem quiser conhecer o Puja Chuva de Bençãos, clique aqui.

“Em primeiro lugar a pessoa treina a ação de poder. Ação de poder é não se perturbar pela ação dos outros. A gente gera uma energia autônoma, que independe das aparências. E aí como é que nós vamos ser atingidos? Ação de poder não é a capacidade de pegar o pescoço do outro, mas é a capacidade de, mesmo sendo pego no pescoço pelo outro, não se abalar.
Daí, segunda forma de ação, ação pacificadora. Então por exemplo, diante de situações aflitivas, nós olhamos e vemos qualidades nos outros. A gente em primeiro lugar não se perturba, em segundo lugar vê e reconhece qualidades. Porque quando nós estamos afetados pelos outros, parece que as qualidades dos outros desaparecem. Então agora a gente vê essas qualidades. Isso é super importante, é um teste se nós estamos realmente com a qualidade da ação de poder ou não. Se a gente tem a qualidade da ação de poder, se a gente desenvolveu essa habilidade, a gente consegue ver qualidades nos outros. Mesmo nos inimigos.
Aí quando nós desenvolvemos essa segunda forma de ação, vem a terceira, que é a ação incrementadora. Ou seja, a gente olha aquelas qualidades positivas do outro e ajuda ele a se manifestar a partir daquilo. Favorece os meios para que o outro possa se manifestar através de qualidades positivas. Essa é a terceira forma de ação.
Aí vem a quarta que é a ação irada. É uma ação compassiva irada. Ela não é uma ação raivosa irada. Não é uma ação contra alguém. A ação irada é uma ação a favor de alguém. Por exemplo, a pessoa vai fazer uma bobagem e vai causar muitos problemas, então a gente trata de evitar que ela faça aquilo. Às vezes a ação irada é suave, às vezes ela é cheia de energia, isso depende do que é necessário. ”
—Lama Padma Santem

domingo, 5 de julho de 2015

5 bardos

  1. Bardo do Nascimento
  2. Bardo do Sonho
  3. Bardo do Meditação
  4. Bardo do Morte
  5. Bardo do Renascimento (ou do vir a ser)

Metabavana

Metabavana

Fazer mentalmente (não precisa falar em voz alta) todas as linhas da imagem (de 1 a 8) substituindo o ____ pelo nome de uma pessoa.

Começar fazendo para si próprio

Depois para as pessoas com relações mais tranquilas, passando para as relações mais conturbadas para tentar pacificar todas as relações, imaginando as pessoas realmente ficando felizes.

Pode ser feita para pessoas já falecidas e para animais também.

O estado mental é de perceber o outro como capaz de ser lúcido, fora de todas as bolhas e contaminações. Não precisa usar as frases exatas, importa mais a energia empregada na prática.


(Esta prática pode ser feita formalmente, ou caminhando, no carro, no ônibus etc. Ela complementa a prática diária de shamata desenvolvendo Bodicita - compaixão)

OBS.: Bodicita (Bodhicitta) seria uma compaixão específica, compaixão pelos seres estarem em sofrimento "sem precisar", por não perceberem a grande perfeição, sem a visão de prajnaparamita. Traduzida como "mente desperta" ou "mende da iluminação", é a grande compaixão que se manifesta também como meios hábeis em benefício da superação do sofrimento. (prajna inseparável de upaya - lucidez inseparável de compaixão)

sábado, 4 de julho de 2015

10 bumis (estágios) dos Bodisatvas

  1. Realização da Generosidade
  2. Realização da Moralidade
  3. Realização da Paz
  4. Realização da Energia constante
  5. Realização da Concentração
  6. Realização da Sabedoria
  7. A sabedoria brota quando solicitada
  8. A sabedoria brota sempre (não desliga) - daqui em diante não há chance de se perder de novo no samsara
  9. Tatágata, como o Buda Sakyamuni. Pode andar por todos os lugares sem abalar a visão e pode abençoar todos estes lugares.
  10. Darmamega. Não há mais alguém em algum lugar, é como uma nuvem carregada de lucidez e compaixão de onde chove o ensinamento, como gotas (Darmakaya)
OBS.: Os seis primeiros estágios vem do sutra do diamante, correspondem a realização de cada uma das 6 perfeições, nessa ordem.

Fonte.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Palestra de Lama Padma Samten e Roberto Crema - Dissolvendo as bolhas da normose (transcrição)


Palestra de Lama Padma Samten e Roberto Crema - Dissolvendo as bolhas da normose




Transcrição: http://www.youtube.com/watch?v=Gym5bn4X6Mk
Local: SINDUSCON-RS, Porto Alegre, 25 de março de 2015
Transcrição: Fabio Rocha, junho de 2015
Palavras chaves: normose, bolhas, realidade

Lama: (...) mais tempo no Sul e vir mais vezes a Porto Alegre também. Então, eu tô muito feliz por essa oportunidade de encontrar os amigos, né? A gente tava conversando lá e eu não queria nem começar a palestra e tive que ir a um e a outro, assim, uma felicidade.

E eu encontrei o (Roberto) Crema em Brasília quando o Gyalwang Drukpa teve aqui, né? Então, aquilo foi um bom encontro. Sua Santidade Gyalwang Drukpa, que é o regente da linhagem Drukpa Kagyu, ele tava visitando o Brasil pela primeira vez, né? Então, ele foi a Brasília e eles convidaram – a coordenação convidou, né? – e fomos nós dois, né? A gente recepcionou o Gyalwang Drukpa.

Normose

Aí sempre surge esse tema da normose, né? Eu sempre lembro dessa expressão do Pierre Weil, né? Esse tema, ele é super importante. E talvez o obstáculo maior que a gente tenha no caminho espiritual seja justamente a normose, né? Isso vem por uma sensação de que o mundo é o que parece que ele é.

Avidya – dificuldade de traduzir

Em sânscrito tem uma palavra pra isso que é avidya. Avidya significa ignorância. Mas essa palavra – “ignorância” – ela não é muito adequada, sabe? Eu vi alguns tradutores explicando a quase impossibilidade de traduzir uma cultura dentro das expressões de outra cultura. Porque, por exemplo, cada palavra que nós usamos, ela tá contextualizada dentro de uma cultura, então ela tem um significado inseparável das outras palavras e dos outros conceitos daquela cultura. Quando as culturas tem áreas que não se tocam direito, as palavras, por exemplo - a gente tirar uma palavra de uma cultura e colocar em outra palavra de outra cultura -  ela não vai dar aquele significado. Porque aquela palavra, ela tá imersa num contexto. Quando eu substituo por uma outra palavra, ela tá imersa num outro contexto. Então, parece impossível a tradução, né? Assim, por exemplo, quando a gente usa a palavra ignorância pra traduzir avidya, parece que tá faltando um conhecimento. Essa é a sensação – a ignorância seria isso, né? Aqui é muito diferente, né?

Xadrez

Então seria mais parecido, por exemplo, com a pessoa estar jogando um jogo de xadrez, né? Então, quando ela tá jogando aquilo, tem um momento em que ela entra numa bolha correspondente ao jogo, né? Aí ela esquece de comer, ela de repente fica com raiva do outro, ou fica incomodada com aquilo... A pessoa fica tomada por aquele contexto. Avidya significa que  surge uma bolha e ela não consegue atravessar a borda da bolha. Essa bolha é espelhada. Ou seja, quando a gente olha a superfície da bolha, a gente vê as imagens de dentro. O nosso olhar não consegue atravessar. Mas, como aquilo é espelhado, parece que nosso olhar vai até o infinito. Então, as bolhas são assim, né?

Cinema

Por exemplo, nós vamos ao cinema e estamos vendo um filme. Quando a gente vê um filme, a gente entra na história. A gente começa a repercutir. Se a gente pensar que aquilo é luz e tela, a gente se torna um chato, né? Tem a namorada chorando, né? Vê o Titanic afundando... Eu confesso pra vocês que eu não tenho ido muito ao cinema não, vocês me desculpem. (risos) Aí, o Titanic afundando, ou o “Tubarão 2”, alguma coisa assim, né? (risos) Ou Charles Bronson, ou alguma coisa... Não tenho ido ao cinema. Mas aí, a gente tá no meio daquilo, né? A pessoa chorando. E a gente: “Mas, olha, pense: isso aqui é só tela e luz. Ali não tem nada, pessoa.” E a pessoa: “Bá, você é horrível, insensível. Você é um monstro. Tá vendo o Brad Pitt morrendo ali e você não faz nada?” Então a gente tem a sensação de que aquilo... Se a gente raciocinar, a gente diz “Bom, isso não é real.” Mas a gente olha e as emoções se movem, as energias se movem, aquilo tudo vai assim, né? Assim, são bolhas. Então, as bolhas, elas movem todo o sentido de realidade. Aquilo é super bonito, né?

Fotografia do ex

Se vocês olharem... Talvez vocês não tenham tido essa experiência, né? Mas alguém que tenha alguma ex-esposa ou ex-marido e olha a fotografia do ex. A gente vê que a fotografia mudou, assim, né? (risos) O conteúdo da foto é diferente. Mas a foto é totalmente inocente. Não tem nada ali. (Mas eu tenho que olhar o relógio aqui. É até oito e meia, né? A gente vai trocando, assim. Oito e meia, né? É, né? Então tá, a gente vai de oito e meia até as nove e aí às nove e meia a gente conversa um pouco, todo mundo, né?)

Ciência

Então, tem isso, né? A gente olha o objeto e o objeto muda. Naturalmente, quem estudou Física (né, Rogério?), aí a pessoa teve essa grande aflição da passagem da Física Clássica pra Física Moderna, né? Pra Física Quântica... Aí, a pessoa, ela não entende como que aqueles experimentos todos feitos em laboratório, aquilo tudo aparentemente comprovado, as leis de Maxwell, aquilo que judiou dos alunos por muito tempo. Os alunos até reprovados, eles podiam entrar com uma ação: “Olha, essas leis, elas foram todas revogadas. Então, não faz sentido ser reprovado por uma coisa que depois foi revogada. Se viu que não era bem assim.” Mas, então eu vejo assim: a ciência é um ambiente maravilhoso pra descrever avidya, né? A gente começa a estudar a história da ciência e vai vendo, assim, as crenças, né? Então, visões de mundo – a pessoa olha pra abóbada celeste e vê as mais variadas coisas. Essas coisas dizem respeito ao conteúdo que elas têm dentro. E a pessoa vê aquilo como se fosse externo, claramente. Ela tem emoções, ela tem propósitos, ela tem uma coerência. Não só ela tem isso como aquela coerência funciona.

É tipo um jogo de xadrez – a gente vai jogar o jogo e aquilo tem uma coerência, tem uma forma de raciocinar, tem uma visão estratégica, tem uma previsão matemática. A gente pode estudar e ver como se mover de modo estratégico por dentro do jogo e vai ganhando uma posição melhor do que o outro companheiro, o outro jogador... No fim a gente começa a ganhar o jogo porque a gente pode se colocar. Então se aquilo não tem uma realidade externa, como seria isso, né? Mas a realidade externa do jogo, ela é totalmente construída, ela é totalmente... Ela é uma bolha, uma realidade construída, assim.

Então, esse é um ponto super interessante. A gente vai estudando a ciência, então a gente vê coisas do tipo assim: houve um tempo em que as pessoas não conheciam bactérias e vírus. Não conheciam. E elas não conheciam, portanto, assepsia. Então nós vamos encontrar pessoas de terno e gravata fazendo cirurgia. Cortando outro, ele tá fumando. Soprando um pouco pra energizar alguma coisa, assim. Então, a pessoa sem assepsia, né? Super tocante, assim. Não sei como é que as pessoas não morriam direto, né? E, quando surgiu essa visão das bactérias e dos vírus e surgiram as vacinas, as pessoas se posicionaram contra. Elas fizeram um movimento público. Aqui no Brasil teve isso, né? As pessoas se posicionando, imaginando que o Estado tava invadindo o próprio corpo. Colocando... Inoculando com vacinas. A vacina da febre amarela – houve um problema, uma emoção com isso.

Diferentes culturas

Então são visões que a gente desenvolve e essas visões vão se tornando visões hegemônicas e parece que o mundo inteiro funciona daquele jeito. Eu acho interessante quando nós temos a oportunidade de comparar diferentes culturas, né? Nós ainda temos duas centenas de línguas nativas aqui no Brasil, vivas. Nós temos muitas diferentes culturas aqui dentro.

E é inacreditável, por exemplo, que essas pessoas possam viver sem computador, assim, sem iPad, né? Sem celular, né? Sem geladeira, sem fralda descartável, sem absorvente íntimo. Eu não sei como seria isso. Na verdade, eu também não uso, mas... (risos) E assim não tem automóveis, não tem aviões, não tem medicina da forma que a gente conhece, não tem indústria química, não tem facas, não tem garfos. É uma coisa inacreditável, né? Tá certo que tem algumas vantagens: não tem escola, por exemplo, né? Aí tem coisas super interessantes, por exemplo: não tem loucura. Eu acho que já é um problema. Não é muito normal, assim. Também não tem cadeia. Como que não tem cadeia, num lugar onde não tem contravenção? Também não tem Constituição, não tem Código Penal, não tem advogados – o que seria uma vantagem... (risos) Mais ou menos, assim, né? Não tem polícia. É super incrível isso. Eles não são civilizados. E olha o corpo deles – super forte. Como é que eles conseguem manter a saúde num ambiente assim, né? Eles não têm tecido, malha, né? É incrível como é que eles conseguem viver. Então, eles têm um outro tipo de normalidade. Eles têm uma outra forma de olhar as coisas, né? Então, isso é super importante a gente entender. Nesses contrastes, a gente pode – no mínimo – dizer: eles têm um tipo de artificialidade e nós temos outro tipo de artificialidade. Mas são artificialidades, são bolhas. Se a própria pessoa vive daquele modo, ela não pensa que tenha algum problema, que exista outra forma de viver. Por exemplo, pra nós, nós raciocinamos longamente dentro do processo econômico. O processo econômico é crucial pra nós. Faz parte da nossa normalidade, né? Naturalmente, fazer vestibular - porque eles não têm vestibular - fazer vestibular e conseguir um emprego – as pessoas não têm empregos dentro dessas culturas... E não tem desemprego também, o que é uma vantagem, né? Desemprego zero, né? (risos) É muito interessante, assim.

Outras formas de olhar o funcionamento, assim. Mas quando nós tamos imersos na nossa cultura como ela tá hoje, a gente pode até ouvir, assim, como as pessoas ligadas ao movimento ecológico, elas vão olhando e nós tamos quase sem alternativas, né? Nós temos manchas de poluição enormes, nós temos regiões dos mares tomadas por plástico, tem uma espécie de redemoinho no Pacífico com uma quantidade enorme de plástico, muitos animais marinhos morrendo por ingestão de plástico. Então, tem uma contaminação. A contaminação nuclear de Fukushima chegou na costa americana. A contaminação nuclear de Fukushima não vai parar – aqueles reatores, eles fundiram. Aquela fusão não tem como controlar. Não tem como resfriar aquilo. Virou uma bolota radioativa que segue produzindo fissão e uma economia de nêutrons de tal forma que a fissão de uma estimula outra de tal forma que aquilo vai continuar por um tempo não previsível, assim. Eles vão seguir resfriando por fora e eles não tem como guardar aquela água, que – quando eles resfriam – toma contato com o material radioativo, ela se torna radioativa. Eles não tem como guardar mais do que um tempo. Então, eles estocam aquilo pra baixar a radioatividade e largam no oceano. Agora, tiveram essa ideia de congelar a água. Mas não tem como fazer aquilo mais do que um tanto, ela vai fluir pro oceano... Nós tamos contaminando o nosso planeta. Mas a gente considera assim: “É isso mesmo. Não tem o que fazer. Essa é a nossa vida.” E agora os japoneses tão se preparando pra reativar as centrais nucleares. Ou seja, a normalidade, ela retorna, né? Aquilo que parece uma normalidade, né?

Então, a gente olha as culturas nativas, eles viveram 15 mil anos de um modo sustentável. Nós vamos encontrar, na Amazônia, por exemplo, vamos encontrar manchas de solo preto. Era justamente as regiões onde eles viviam, onde esses povos viviam, a densidade populacional. Qual é o lixo que eles deixam? Eles não deixam lixo nenhum. Eles deixam matéria orgânica decomposta na forma de solo super fértil. As casas eram recicláveis, era tudo reciclável. Não tinha nada que não fosse reciclável. Não tem lixo tóxico, não tem nada. Agora, vocês imaginam os nossos lixões, assim, com pilhas, com metais pesados de todos os tipos. Pra nossa sociedade parece normal – “É assim mesmo. É isso.” Então, quando a gente pensa que isso é normal, isso já seria normose, né? Quando a gente só vê essas alternativas.

Economia

O Dalai Lama, ele gosta de lembrar essa questão econômica, também, né? E a gente precisa colocar isso de uma forma simples. Ele coloca isso de uma forma simples, mas tocante, assim. Ele diz, por exemplo: Cada um de nós aqui foi cuidado a fundo perdido pelo pai e pela mãe. Ou por alguém que cumpriu essa função, de pai e mãe. As relações mais importantes que nós estabelecemos são todas a fundo perdido. Mesmo os pais trabalhando pra sustentar os filhos, eles têm uma atividade econômica, mas a atividade econômica não é o fim. O fim é poder cuidar de alguém. Se nós não cuidamos das pessoas, nós naturalmente entristecemos e nós não ficamos bem. Então, a compaixão, amor, o interesse um pelo outro é que sustenta o mundo, verdadeiramente. Não é a atividade econômica. A gente vê vários eventos-limite, né? Onde vêm as guerras, as grandes complicações. Nesse momento, a atividade econômica evapora. Explode tudo. O que que vai acontecer? As pessoas se juntam e elas se ajudam. Trabalham em rede de uma forma totalmente voluntária. Nesse tempo que nós tamos vivendo, nós vamos encontrar também quase um limite extraordinário. Aí vem a crise econômica de 2008/2009 e nós vamos encontrar as pessoas – os cidadãos – através do Estado, apoiando as grandes empresas. As grandes empresas vão quebrar, aí vem dinheiro público e é investido nas empresas pras empresas sobreviverem. Se nós fôssemos usar o critério do próprio sistema econômico, a gente não ajudava ninguém. Não tem porque nós usarmos compaixão e usarmos um sentido que ultrapassa a regra do jogo. A regra do jogo é assim: quando a empresa vai mal, quebra. Se você não pode pagar, você vai pro SPC. Não tem assim uma grande solidariedade, em que você quebrou, então alguém, vem o Estado pra salvar você. O Estado não salva você. Nós nos encontramos agora – nós tamos vivendo esse tempo – em que a gente não sabe se o Estado, ele tá a serviço das organizações econômicas ou se o Estado tá a serviço das pessoas. Essa é a grande tensão política no momento. Nós não temos mais, propriamente, uma tensão entre direita e esquerda. A esquerda virou uma coisa tipo movimento sindical, reivindicando vantagens, e a direita, essencialmente, o processo do capital, né? Mas, quando nós encontramos as situações que nós tamos vivendo hoje, a tensão é diferente. É assim: o Estado protege o cidadão ou o Estado protege as grandes organizações? Então, aparentemente, tem uma visão que é assim: o Estado protege as grandes organizações, as grandes organizações protegem o cidadão. Ou outra visão que é assim: nós protegemos o cidadão frente a exploração do capital, exploração das grandes organizações e dos bancos, que tratam de fazer aquilo que é mais rentável pra eles. Então, aparentemente, nós tamos adotando uma posição majoritária na qual os Estados protegem as grandes organizações. Nós tamos adotando isso. Mas nas ruas vocês tão vendo as pessoas se manifestando constantemente. Então, quando nós encontramos, por exemplo, o ministro da Espanha dizendo pros jovens espanhóis emigrarem, porque eles não tem como encontrar emprego dentro do país, a gente entende que as organizações econômicas não estão a serviço da população. Não estão a serviço nem mesmo do país. Porque se nós mandarmos os jovens emigrar, nós chegamos a situação de que uma economia de primeiro mundo, uma economia de ponta, ela tem um momento em que ela não consegue mais nem mesmo acolher os jovens das gerações seguintes. Eles não são mais prioritários. Então isso significa nós estarmos ultrapassando completamente os critérios de bom senso, ainda que a gente vá chamar isso de normalidade. Ainda que se adote como uma política sábia, respeitável por grandes organizações. É isso. Isso vai dar aonde? Na medida em que a água se reduz, os materiais todos vão ficando mais caros, progressivamente, o consumo se expande, o lixo segue, nós vamos seguir chamando isso de alguma coisa normal. Isso não é alguma coisa normal, pessoal. Mas a normalidade, na normose, se diz... Tem esse exemplo do sapo, né? Que eu não sei se é verdade ou não. Bota o sapo dentro da água e vai aquecendo devagarzinho. O sapo fica confortável em qualquer temperatura. Até que ele morre. Ou ovo, assim. Bota o ovo e vai aquecendo devagarzinho, daqui a pouco o ovo endurece. O sapo também. A normose nos leva a isso. "Tá tudo bem, vamos relaxando, vamos indo..." Aí nós passamos os limites todos.

Nossa visão de mundo

Esse é um ponto interessante, assim, as nossas vidas também. O nosso aspecto individual. A gente não precisa pensar que socialmente esse é o problema. Nós, individualmente... Todo mundo vê o sol se levantar a leste e se por a oeste. Eu não quero trazer nenhuma controvérsia, algum problema, assim, pessoal, pra vocês, né? Mas o sol não se levanta, pessoal. Todo mundo vê. A lua também não se levanta, mas a gente tá vendo. Isso é avidya. A gente olha e vê. Além do mais, se vocês tiverem o cuidado: vocês botam um lápis em pé assim na escrivaninha e deixam o sol bater e vejam se a sombra não se mexe. Porque que a sombra se mexe? Não é a mesa que tá se mexendo. Ou nós vamos pensar que é assim? Claro que não. É o sol que tá se mexendo. Vocês entenderam? É tão claro. A gente vê tão claramente assim. Isso é normose. Se fosse fácil ultrapassar normose a gente dava um pulo e tava resolvido. Mas não é. Dentro da normose, a gente pode até provar para o outro: Todos os dias eu dou um tracinho aqui e olho pro relógio aquela hora. Isso aqui se chama relógio de sol. Inventei o relógio de sol, pessoal. Aí, eu descobri que de acordo com a época do ano a sombra é mais longa ou a sombra é mais curta. Claro, porque o sol tá mais pra lá ou mais pra cá. O sol fica girando.

Agora, por exemplo, se vocês vão construir uma casa, a gente diz: "Não, agora eu entendo as coisas, eu tenho uma visão ampla, a Terra é redonda, eu quando fizer uma viga, vou fazer uma viga um pouco inclinada, de acordo com a curvatura da Terra. Imagina, se eu for fazer aquilo reto vai dar problema. Tem que fazer aquilo um pouco curvo." Mas não precisa, né? Aí nós começamos a entender como é que nós podemos usar visões parciais sem perder a visão ampla. Um ponto super importante. Usando visões parciais, nós usamos a terra plana. Pra medir a área, melhor medir a área, se eu passo o metro, se descobre que é tudo plano. Então, terra plana funciona. Então, esse é um ponto interessante.

A gente pode usar muitas diferentes visões. A gente só não deveria se enganar. A gente sabe o que tá fazendo. Tá certo que eu tô vendo o sol fazer isso, mas não é assim. Mas funciona assim também. Aí eu vejo aquilo e aquilo é útil. Tudo bem, mas eu não me engano, entende? Eu posso usar, mas eu não me engano. Isso significa lucidez. Eu entro na bolha, vejo aquilo, me comporto como todos os loucos correspondentes dentro da bolha, concordo com todo mundo, mas ó... Tô em uma outra visão. Eu vejo que aquilo é uma visão particular, né? Então, esse é um treinamento também.

No Budismo se diz que o Buda tinha isso que era a dupla realidade: ele via dentro de um aspecto amplo e via dentro de um aspecto curto, né? Mas a normose é super tocante, né? Quando a gente estuda a roda da vida, né? Os 6 reinos, os 3 animais...

Os infernos

Quem tá, por exemplo, no reino dos infernos - os infernos correspondem a um contexto cristão, judaico-cristão ou também islâmico - lá que tem os infernos. No Budismo, os infernos, eles têm uma outra visão, né? Ainda que a gente usa a mesma palavra, como eu expliquei pra vocês. A gente vai usar o quê, né? Vou usar as palavras desta cultura né?

Mas, por exemplo, os infernos budistas são melhores. Se vocês forem julgados e forem pro inferno, você diz - Um momento, a gente pode optar pelo inferno budista? Aí tem o departamento. - Eu sou budista e eu preferia ir pro inferno budista, é possível? É que do inferno budista tem como escapar, pessoal. Tem essa diferença super importante.

Tem algumas variantes que são problemáticas também. Por exemplo, a gente pode estar vivo aqui e no inferno. Já os cristãos, de modo geral, eles só vão pro inferno depois de julgados, né? Tem umas variações, também é justo, né? Mas, então se diz - os infernos são descritos - uma coisa parecida com aquelas gravuras dos naturalistas - coisas do Rio Grande do Sul, do Brasil, de diferentes lugares - eu vejo aquelas pinturas das charqueadas em Pelotas, Rio Grande do Sul... Eu lembro: aquilo é o inferno. Pega aquele ser, corta, tira a pele, expõe os testículos, abre ele, põe pra secar no sol, ... O ser não tem solução. Uma coisa mais ou menos assim. São os infernos. Mas quem tá nos infernos, se a gente olhar os aspectos grosseiros, seria isso. No aspecto sutil, a pessoa olha em volta e só vê inimigos. Vocês pode imaginar o gado, num rodeio, as pessoas correndo atrás pra matar eles... Olha em volta e só vê inimigos, né?

Numa guerra também, a gente olha em volta e vê os inimigos, e tem medo daquilo. E quando nós temos medo e agressão, aquilo é a base da nossa inteligência, da nossa emoção, da nossa energia, quando a gente vê isso, essa normalidade dos infernos, ela nos faz, por exemplo, lançar duas bombas nucleares sobre o Japão. Nos faz bombardear regiões do Japão e matar cem mil pessoas só com bombas incendiárias... Em Tóquio. Nos faz bombardear Colônia na Alemanha, dentro de uma experiência de criar uma única chama na cidade inteira. A chama era tão forte que cozinhou as pessoas dentro dos abrigos anti-aéreos. Então, aquilo pertence à normalidade, né? Qualquer instituto militar de engenharia estuda não só a economia de nêutrons numa bomba mas também a economia monetária de quantas pessoas mortas por dólar investido numa bomba, né? Eles calculam: é melhor lançar mais alto, mais baixo, para aquilo funcionar melhor, né? E as pessoas depois vão pra casa, escutam música clássica, cuidam das crianças, levam elas pro jardim da infância, comem comida integral, comem saladas pra não pesar demais no corpo e seguem estudando isso. Isso é normose, pessoal. É como, por exemplo, o governo americano - agora diminuiu um pouco - mas o Obama se reunia toda semana pra ver onde é que eles iam utilizar os drones para matar gente aqui e ali. Especialmente no Afeganistão. Isso pertence à normalidade da guerra. À normalidade dos infernos. A normose dos infernos não significa que as pessoas não sejam pessoas inteligentes. Elas tão dentro de uma forma de raciocinar assim, né?

Escolas, formação acadêmica e profissional

Então nós tamos vivendo isso. Só que nós tamos vivendo num tempo em que a normose desse tempo é alguma coisa que talvez nos jogue numa grande dificuldade, se é que essa grande dificuldade já não se instalou, né? Então, é super importante a gente conseguir quebrar isso. Só que nós tamos vivendo hoje em muitas diferentes culturas. Essas diferentes culturas estão revelando uma incapacidade - elas dialogam entre si e produzem tensão. E aí quando nós tentamos entender umas e outras, a gente pode dizer que uma não entende a outra direito. A gente pode dizer, por exemplo, o pai não entender o filho, não entender a esposa... A gente começa a habitar bolhas específicas, né?

Dentro disso, a escola também tá se sentindo perdida, né? Porque a escola vem pra educar as pessoas para ocupar espaços dentro da normose. A normose tá em crise. Então, a gente fica em dúvida, assim. Às vezes, as pessoas até vem pra mim: "Lama, eu estudo psicologia ou estudo o budismo..." E aí eu também não sei nem o que dizer, né? E eu digo: "Olha, se fosse meu filho... Estude o budismo. Mas tudo bem, eu não sei como você vai fazer isso." Eu tenho vários alunos que eram psicólogos e foram estudando o Darma do Buda e foram achando que poderiam ajudar melhor de um outro modo. Eles depois entraram em crise. E tem alunos também médicos que se sentiram... Como se diz, assim - isso eu vi de um filme infantil, né? Filme do Senhor Incrível. Achei aquele argumento maravilhoso, né? - Ele dizendo: "Eu me sinto uma horista, uma faxineira." Isso eu ouvi também de centro espírita. "Me sinto uma faxineira." Ele era uma espécie de super-herói, né? Então ele salva aqui, salva ali, salva ali... Daqui a pouco a pessoa se joga de novo e ele salva, salva... Assim, então me sinto uma faxineira. Tô sempre arrumando aquilo, mas o mundo inteiro tá sempre com problemas. Então, o mundo - dentro de sua normalidade - vai produzindo obstáculos. Eu já vi médicos dizendo isso, né? Porque a pessoa tá agindo contra sua própria saúde. Aí, ele vai lá e conserta, arruma, ajeita e dá um remédio... Aí, passa 6 meses, a pessoa tá de novo. Ela não altera o hábito dela. Ela tá atuando contra a própria saúde. Aí ele começa a desanimar. Os psicólogos também. Eles podem ter a sensação de que a pessoa tá num lugar que mói carne. Numa empresa. E ele tá ali, parecido com um médico de centro de tortura. Quando o torturado tá muito mal, ele conserta ele, arruma e manda ele de novo pras sessões de tortura. Todo centro de tortura tem médico. Então, as pessoas dentro do mundo começam a adoecer, elas passam mal, aí tem que ter alguém que conserta. Mas a pessoa olha e acha que tá perdendo tempo. Sente que tá perdendo tempo naquilo, né? Eu ouvi isso também de um médium espírita. Ele dizia: "A pessoa chega lá eu descarrego ela toda, limpo, deixo ela zerada. Ela vai embora. Daqui a uma semana, ela tá lá de volta. Toda carregada de novo. Eu vou lá, zero ela toda. E quando ela tá ótima, ela sai e apronta por todo lado. E aí quem é que tem que fazer o serviço sujo? Eu. Então eu sou uma faxineira."

Então, esse é o ponto da normose, né? É super importante a gente sacudir a normose. Sermos fatores lúcidos. Incluirmos a nossa própria decisão de ultrapassar todas essas dificuldades e poder olhar isso.

Unipaz

Então, eu fiz essa pequena introdução pra gente escutar agora o Crema aqui, que representa também o nosso mestre, fundador da Unipaz, que a gente tem esse carinho todo, o Pierre Weil. Particularmente, eu me senti muito beneficiado - hoje eu tava dizendo pro Crema - é como também o Chagdud Rinpoche, o meu mestre, ele veio pro Brasil a convite da Unipaz. Ele veio a um congresso, que eu acho que foi em Brasília. Um congresso muito importante no final da década de 80. A partir disso, ele começou a vir ao Brasil. Eu não conheci ele no início, mas eu vim a conhecê-lo em 93 quando ele veio a Porto Alegre. E se radicou aqui em 94. Então, eu fico muito comovido, muito feliz.

No meu início também, quando eu fui ordenado Lama, e até um pouco antes disso, a Unipaz me convidou e eu comecei como facilitador da Unipaz. Muitas diferentes cidades... E em várias dessas cidades as pessoas também se interessavam pelos ensinamentos budistas e aquilo prosperou, assim. Então, tenho essa gratidão, amizade, assim. Então, agradeço, é uma felicidade ver o Crema aqui conosco.

(Roberto Crema fala dos 34 minutos até 1:13 e abre-se o espaço para perguntas.)

- PERGUNTA: Esse passo de transgredir a normose, como é que é assim? Como seriam os primeiros passos? O que vocês sugerem pra quem tá começando a entrar em contato com tudo isso agora? De onde vem essa coragem pra mudar?

- LAMA: Eu não sei se o termo é "coragem". Talvez não seja, sabe? Porque quando a gente vê as coisas de uma forma mais nítida, a gente se move naturalmente, então não tem uma sensação de que há algum obstáculo nisso. Quando a pessoa olha de uma forma mais nítida, aquilo flui de modo natural. Eu não vejo que a espiritualidade seja alguma coisa de um herói. Que a gente tenha que, então, fazer um sacrifício. Quando a gente olha as imagens medievais, parece que os santos medievais faziam grandes sacrifícios. Na visão budista, isso não é assim. Eu acredito que na espiritualidade isso não é verdadeiramente assim. Quando a pessoa olha as coisas, ela vê oportunidades, ela descortina uma visão maior e ela usa outros elementos que as pessoas não tavam vendo. Então, na perspectiva budista, é isso. A normose é uma limitação da visão. Se a pessoa consegue um olhar mais amplo, melhor.

- PERGUNTA: Como vocês vêem essa questão, que é sobre espiritualidade, como que isso poderia entrar um pouco mais pros nossos jovens e crianças? Entrar nessa parte educacional. Como que isso seria inflitrado, esses ensinamentos sobre a normose, sobre a transdisciplinaridade? Essa parte.

- LAMA: Essa questão não é muito fácil porque a educação preenche uma expectativa social. A educação começa com a comunidade. A comunidade tem uma expectativa em relação a seus jovens. Quando nós temos uma expectativa mais elevada, a escola melhora. Quando nós temos uma expectativa normótica, a escola é normótica, né? É muito difícil a pessoa introduzir um elemento na escola que seja dissonante da visão da própria comunidade. Porque os pais vão reclamar, todo mundo vai reclamar. Mas vamos supor que houvesse uma comunidade que tem uma visão mais elevada. Como é que é possível introduzir esses fatores? Não acho isso um grande problema, sabe? Acho que crianças pequenas, elas podem entender vários aspectos interessantes. Por exemplo, elas podem entender que a gente tá cansado mas a gente pode mudar a mente e ultrapassar o cansaço. A gente pode estar se sentindo mal mas daqui a pouco aquilo muda. A realidade inclui os aspectos internos. Então eu vejo assim - um elemento muito importante na espiritualidade é nós introduzirmos o mundo interno como inseparável da aparência com que estamos lidando. Se a gente tá trabalhando com isso, a gente superou o aspecto separativo da realidade. Quem ultrapassa o aspecto separativo tem uma grande vantagem. Por exemplo, a pessoa pode utilizar as cinco visões que são básicas do Budismo, né? Mas elas são visões de bom senso, assim, se a gente apresentar aquilo fora do Budismo, todo mundo entende também. Por exemplo, nossa capacidade de entender o outro no contexto do outro. Isso é uma coisa necessária pra qualquer chefia, né? Se a pessoa pretende ter alguma posição em algum lugar, a pessoa tem que ser capaz de entender os outros com quem ela tá lidando no mundo do outro. Ela não pretender esperar que o outro vá entender o chefe no mundo do chefe. Muito mais difícil. Se as relações são horizontais, as pessoas que conseguirem entender os outros no mundo deles vai ter uma predominância. Porque ela vai conseguir dialogar, ela vai ter uma linguagem com cada um. Quando nós não temos linguagem com as pessoas é porque não estamos conseguindo entender o outro no mundo do outro. É interessante. por exemplo, nós conseguimos entender os animais.

(parei em 1:22)


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Os 8 versos que transformam a mente

1. Com a determinação de alcançar
O bem supremo em benefício de todos os seres sencientes,
Mais preciosos do que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a prezá-los e estimá-los no mais alto grau.

2. Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em minha pessoa como a mais insignificante dentre elas,
E, com todo respeito, considerá-las supremas,
Do fundo do meu coração.

3. Em todos os meus atos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.

4. Vou prezar os seres que têm natureza perversa
E aqueles sobre os quais pesam fortes negatividades e sofrimentos,
Como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso,
Muito difícil de achar.

5. Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa,
Ou a insultarem e caluniarem,
Vou aprender a aceitar a derrota,
E a eles oferecer a vitória.

6. Quando alguém a quem ajudei com grande esperança
Magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo,
Vou aprender a ver essa outra pessoa
Como um excelente guia espiritual.

7. Em suma, vou aprender a oferecer a todos, sem exceção,
Toda a ajuda e felicidade, por meios diretos e indiretos,
E a tomar sobre mim, em sigilo,
Todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.

8. Vou aprender a manter estas práticas
Isentas das máculas das oito preocupações mundanas*,
E, ao compreender todos os fenômenos como ilusórios,
Serei libertado da escravidão do apego.*

* As oito preocupações mundanas são: 
Querer ser elogiado / Não querer ser criticado
Querer prazer / Não querer dor
Querer ganhar / Não querer perder
Querer ser reconhecido / Não querer ser ignorado

(Fonte)

domingo, 31 de maio de 2015

Os 6 selos de Guru Rinpoche - Lama Padma Samten

  1. Sele as aparências com a vacuidade
  2. Sele a vacuidade com as aparências
  3. Sele as aparências e a vacuidade como inseparáveis
  4. Sele a inseparatividade das aparências com a vacuidade com a grande bem-aventurança
  5. Sele a grande bem-aventurança com a ausência de referenciais (Bodicita e ausência de identidades)
  6. Sele a a ausência de referenciais (Bodicita e ausência de identidades) com a grande mãe Darmata
Fonte . Veja aqui o Lama Padma Samten explicando: https://youtu.be/-3QWhD7UBA0?t=59m30s

guru-rinpoche

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Os doze elos da originação dependente (ou interdependente)

  1. Ignorância, Perda de visão (Avidya) - Ilusão de separatividade / dualidade entre sujeito e objeto. Quando vemos assim, perdemos todas as outras formas de ver.
  2. Marcas Mentais (Samskara) - Hábitos causados pela repetição da ilusão de separatividade.
  3. Consciência (Vijnana) - Embrião de uma identidade (a partir da repetição, das marcas mentais de separatividade, o observador começa a se ver como uma identidade e começa a vontade de perpetuar algo).
  4. Nome e Forma, Aspirações (Nama-Rupa) - Ponte ligando o abstrato ao concreto. Desejo dessa identidade de objetos físicos (corpo) para estabilizar energia. 
  5. Sentidos (Shadayatana) - Materialização do desejo de objetos físicos para estabilizar energia - surgimento dos sentidos.
  6. Contato (Sparsha) - Contato dos sentidos com objetos do mundo.
  7. Escolhas, Gostar/Não Gostar (Vedana) - Outra perda de visão: Tendo como base os sentidos, gostar ou não gostar de algo (objetos concretos ou abstratos), sem perceber os elos anteriores. 
  8. Desejo, Apego (Trishna) - Querer o que gostamos, se afastar do que não gostamos. Busca mundana de felicidade condicionada.
  9. Ação Contaminada (Upadana) - Sucesso aparente. Ações baseadas no desejo e apego gera resultados.
  10. O Mundo é Assim (Bhava ou Rupa) - Nascimento do eu e de sua visão de mundo. Soberba por achar entender o mundo (contexto) com visões limitadas. Arrogância. Rigidez da identidade da pessoa e de sua visão de mundo.
  11. Circunstâncias da Vida (Jeti) - Baseado no eu e em sua visão de mundo, busca na vida humana de estabilidade, como um equilibrista girando pratos. Urgências e prioridades (para um futuro que nunca chega).
  12. Envelhecimento e Morte (Jana-Marana) - Sofrimento com o desequilíbrio e finitude, tentando sustentar o insustentável, por estarmos viciados em sermos como equilibristas, sem perceber a presença incessante. (Após o bardo da morte, os seres sencientes que não se libertam voltam direto pro item 4, recomeçando o ciclo daí.)

“Quem tem ignorância termina tendo marcas mentais, quem tem marcas mentais tem um embrião de identidade, quem tem um embrião de identidade tem aspirações, que tem aspirações termina gerando um corpo, quem tem um corpo gera contato com o mundo a partir do corpo, o contato com o mundo a partir do corpo leva à experiência de gostar e não gostar, gostar e não gostar leva ao apego e ao desejo, desejo e apego levam a sucessos parciais, esses sucessos parciais levam à noção de nascimento, o nascimento leva à ação no mundo, ação do mundo leva à morte.” – Lama Padma Samten

Entramos na roda dos 12 elos na ordem crescente (elos são cumulativos, cada um serve de base para haver a possibilidade do seguinte) e podemos sair em ordem decrescente, sendo cada elo causa do elo posterior na ordem crescente e a dissolução de cada elo causa a possibilidade da dissolução do elo subsequente na ordem decrescente. Por isso, o Buda apresentou esse ensinamento com a ajuda do desenho da Roda da Vida, que resumiria todo o conhecimento do Budismo.

No sutra da haste de arroz, vale a pena contemplar que, da mesma forma do que acontece com os 12 elos, a haste de arroz não sabe que depende da semente, e a semente não sabe que pode gerar uma haste de arroz, mas mesmo assim são elementos dependentes.

domingo, 10 de maio de 2015

5 skandas

Os cinco skandas (ou 5 agregados) são:
  1. forma (rupa - corpo)
  2. sensação (vedana - nossos sentidos)
  3. percepção (samjana - nosso gostar ou não gostar)
  4. formação mental (samskara - nossos hábitos)
  5. consciência (vijnana - nossas identidades)

Este conceito é anterior ao Budismo. Servia para justificar a existência intrínseca dos fenômenos, mas o Budismo mostra o oposto a partir deles, que nada tem uma existência intrínseca independente. Lama Padma Samten prefere olhar os skandas como inseparáveis.

(fonte: Palestra no youtube, às 2:36)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Palavras do meu professor perfeito (Words of my Perfect Teacher - Dzongsar Khyentse Rinpoche)

"Veja: não fale sobre o caminho. Quando falamos sobre caminho, claro, temos que falar sobre bondade e maldade. Aquilo tudo. O que precisa ser abandonado, o que precisa ser praticado. Mas não mais conforme nos aproximamos do absoluto, então nós não falamos mais disso... [Um exemplo:] Uma mulher que desesperadamente deseja ter um bebê, sonha que está grávida e até que está dando à luz. Ela está tão feliz. No mesmo sonho, o bebê morre e ela fica muito infeliz. Ela acorda, e a felicidade de parir o bebê, e a dor da morte do bebê, ambas se foram. Essa terceira experiência é o que interessa ao Buda. Não ter ou deixar de ter o bebê. Mas ir além disso."

 - Trecho final do filme Palavras do meu professor perfeito (Words of my Perfect Teacher - Dzongsar Khyentse Rinpoche). Disponível via torrent. Tradução livre de Fabio Rocha​.



Original em Inglês:
"You see, don't bring the path in here. When we talk about path, of course, we have to talk about goodness and badness. And all that. What needs to be abandoned, what needs to be practiced. Not as we approach the ultimate, then we don't talk this anymore... [As an example,] A woman who desperately wishes to have, a baby, dreams that she is pregnant and even giving birth. She is so happy. Within the very same dream, the baby dies, and she is very unhappy. She wakes up, and the happiness of having the baby, and the pain of the death of the baby are all gone. The third experience is what the Buddha is trying to aim. Not to have the baby. Not to "not to have" the baby. But to go beyond that."

Leia também: - Revista Bodisatva - A vida de Dilgo Khyentse Rinpoche

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Os 4 selos do Darma

Os 4 selos do Darma
  1. Todos os fenômenos compostos são impermanentes.
  2. Todos os fenômenos contaminados pela dualidade são sofrimento.
  3. Todos os fenômenos são destituídos de essências.
  4. Nirvana é a verdadeira paz.

terça-feira, 24 de março de 2015

Relações, apego, família no Natal, meditação e cinco sabedorias - Lama Padma Samten (transcrição)

CEBB – Centro De Estudos Budistas Bodisatva
Relações, apego, família no Natal, meditação e cinco sabedorias
Lama Padma Samten
( Para o Ação Nalanda, mandala de transcrição do CEBB )


Local: São Paulo, dia 19 de dezembro de 2013
Transcrição: Ellen Meireles
Revisão: Fabio Rocha (2015)

[Foco na respiração – sem esperança e sem medo]
Eu queria iniciar comentando um tipo de meditação que pode ser muito interessante para introduzir um tema profundo e, muitas vezes, difícil de explicar. Eu recentemente vi um ensinamento do Mestre Dogen, o Genjōkōan, que é como se fosse o principal ensinamento do Mestre, que é o fundador do Soto Zen, e tem um comentário do Shunryu Suzuki, que é um grande Mestre Zen também. Eu achei aquele comentário tão interessante, aquilo tão curto e direto que eu queria trazer pra vocês. Esse é o início da minha abordagem do tema, eu não estou fugindo do tema. O nosso tema... Eu estava até perguntando pro Gustavo, se a gente tem que dizer que tem solução ou que não tem solução, não é? E o Gustavo disse: “É que não tem solução”. Foi a sugestão dele, então vocês já sabem aonde é que a coisa vai, né? (risos) Esse ensinamento é muito interessante, ele diz... Acho que todo mundo já fez prática de meditação focando na respiração... Aquilo, de um modo geral, é o início, todo mundo ouve... Só que, mesmo esse ensinamento, tão de início, pode ser utilizado como um ensinamento de topo.
Então... O Mestre Dogen, ele vai dizer pra você, que a única prática que você tem é inspirar e expirar, nada mais. É por que eles não gostam, especialmente no Zen, eles não gostam de primeiro expor um teoria pra depois a gente verificar. Mas aqui é o que eu faço, não é? Eu sempre exponho uma teoria e depois a gente vai olhando, então... Subvertendo o ensinamento, não é?
Antes de convidar vocês pra inspirar e expirar, eu vou falando da teoria, eu vou explicando tudo, eu vou estragando o ensinamento... (risos) Porque Koan não se pode explicar, mas aqui pode (risos). É muito interessante. Então, ele diz:
- Você, inspire e expire. Só isso. A prática da moralidade é inspirar e expirar. A prática da lucidez é inspirar e expirar.
A gente fica com uma cara, assim, meio estranha, né? (Lama inspira e expira). Aliás, a gente tem inspirado e expirado desde sempre e não tem acontecido nada, não é? (risos) Se é pra ter ainda alguma esperança... E ele vai dizer:
- Sem esperança e sem medo!
(risos) Bá, então eu não sei o que fazer mas, tudo bem, né? Só inspirar, não? Mas é que é muito interessante esse processo, a gente senta assim (Lama inspira e expira) e eventualmente você conta, né? Mas sem esperança. Chegar a um milhão também não é nada, é a mesma coisa. (risos) É melhor contar assim: um, (inspira e expira) um, um, um. (risos) Cada um é um, né? (risos) É só o um e pronto, né? Não é o dois, assim, né? (risos) Isso é super profundo, sabe? A gente diz: dois. Isso é uma fraude. Porque a primeira respiração é diferente da segunda, como é que a gente vai dizer dois, três?  Como se todos fossem iguais? Não é. Então é sempre um. (Lama inspira e expira) Mas aí é assim, a vida é...

[Foco na respiração – algo parado atemporal e inafetável]
Estão respirando, né? Aí lá pelas tantas, a pessoa descobre que esse inspirar e expirar é um movimento incessante, como o próprio Samsara, as coisas se movem incessantemente. Por outro lado tem algo parado que está além da respiração, que está além dos movimentos. É esse que é o ponto, e nós vamos descobrir isso, isso que está parado além do movimento.
Agora, se a gente levar um pouquinho adiante, vocês vão perceber, nós estamos olhando assim, pra frente. E vai ter quase como... A gente tem um campo visual, né? O campo visual é como se a gente estivesse inspirando e expirando, é a mesma coisa. O campo visual também se move o tempo todo, mas tem algo parado que está sempre parado não importa qual o campo visual, ele está lá.
Esse é o ponto mais importante. Quando a gente vai fazer uma prática de inspirar e expirar, o que nós estamos querendo encontrar é aquilo que não se move, além da inspiração e expiração. Se a gente olhar ao longo do tempo, aquilo que não se move também não envelhece, é não causal, ele não é produzido por alguma coisa que venha daqui pra lá, então aquilo aparece. Não. Não causal. Portanto, não temporal. Portanto, não afetável pelas circunstâncias. Então, isso é super importante.  E esse é o primeiro ponto, né?
Nós precisamos ter um pouco dessa inspiração e expiração pra poder depois lidar com desejos e apegos e circunstâncias todas do cotidiano. Se a gente, por exemplo, lidar com desejos e apegos no meio dos desejos e apegos, respondendo de forma automática no meio de tudo isso, nós vamos ter um tipo de raciocínio, um tipo de visão. Se nós contemplarmos os desejos e apegos e as flutuações todas a partir desse ponto estável, isso é muito diferente.
É parecido assim, por exemplo, vocês estão numa crise... Eventualmente pode acontecer, pra um ou outro, né? (risos) Uma crise... Aí vocês perguntam: “E as estrelas lá em cima, o que elas diriam da minha crise?” Aí aquilo, dá um distanciamento, né? É um nada, né? É um nada.
Outro dia eu recebi um e-mail, também de um praticante, e ele dizia. Eu já não lembro bem dos nomes mas: “Se a terra é um centímetro, o sol é um metro. E agora descobriram uma estrela que é 2,5 quilômetros, a proporção, né?” E a gente pergunta: “E essa estrela, o que diria dos meus problemas?” Uma coisa assim, né? Aquilo é um nada, né? Mas quando nós estamos dentro desse universo que está se movendo e nós estamos reagindo dentro daquela bolha de realidade, aquilo faz um enorme sentido.

[Cinema]
Que é uma coisa muito parecida com a gente ir ao cinema e entrar no filme, a gente começar a reagir a partir das imagens e dos sons. Nós entramos num tipo de bolha de realidade e a gente tem emoções... Os homens não choram, mas as mulheres às vezes até choram nos filmes... (risos)
Aí a pessoa se emociona com aquilo, e às vezes ela sai do cinema ainda na bolha do filme. Ela olha todas as mulheres como seres terríveis, por exemplo... Pode acontecer assim. Aí a pessoa está presa dentro de uma bolha de realidade, ela não percebe isso, ela não tem a capacidade de retornar ao ponto estável e olhar com lucidez o que está acontecendo. Lucidez significa olhar de forma não causal, de forma livre. É construção, é ver como tudo aquilo se estabelece.
Então, eu achei muito interessante essa descrição do Mestre Dogen, essa profundidade de uma meditação super simples, e é a primeira, né? Você senta e (Lama inspira e expira)... Aliás, não precisa nem dizer: “Respire!” É sente, apenas. Respirar vem, né?

[Bolha, Namoro e Apego]
Então aqui, por exemplo, quando nós estamos olhando desejo e apego de um modo geral, não estamos nos referindo àquilo que acontece dentro das bolhas de realidade, aquilo fica muito denso. Essa noção de bolha eu acho muito útil, porque nós podemos perceber que nossos desejos e apegos, eles também flutuam, né? Isso é incrível, a gente tem, eu acho que todo mundo... Eu não sei se alguém teve mais de um namorado ou namorada... Todo mundo tem essa experiência... Todos que tiveram essa aventura ou desventura, né?  Já viram o que significa apego, né? Aquilo fica super apegado, né? “O que aquele ser estaria fazendo agora?” “Aqui está silencioso, faz meia hora que ele não telefona para mim...” “O que ele estaria fazendo, né?” (risos) Agora com esses celulares que a gente pode rastrear onde é que está a pessoa, né?  A gente vai lá e dá uma olhada assim: Onde é que anda o ser, né? (risos) E dependendo de quem for a gente pode ativar isso sem que a pessoa saiba, né? (risos) E aquilo fica mais interessante, a gente pega o celular do outro e a gente ativa aquilo e: “Onde é que você andou hoje? E a gente fica olhando assim...” (Lama olha pra mão “segurando um celular”) “Onde está você?” “Ah... Eu estou na casa da minha mãe...” (Lama olha pra mão “segurando um celular”) “Com certeza, sua mãe agora está morando em outro bairro, né?” (risos)
Mas aí tem essa dimensão de desejo e apego muito intenso, né? É muito interessante isso, porque passa um tempo, pode ser que devido às circunstâncias da vida, a pessoa não queira nem saber o que está acontecendo com o outro, né? É assim. E como explicar? O outro deixou de ser? O quê que aconteceu? Aquilo, os genes estão iguais… Se tirar uma fotografia, tá tudo igual. Por alguma razão a gente já não tem aquela conexão.
Então, o desejo e apego necessitam de uma bolha de realidade. O Budismo trabalha muito com isso; quando a gente está recitando o mantra do Sutra do Coração: Gate Gate Paragate Parasamgate Bodhi Svaha, está lembrando isso, né? Ou seja, lembrando como as realidades se configuram.
O meu Mestre, Chagdud Tulku Rinpoche,  dizia: É mais fácil nós entendermos a vacuidade na forma do que na negação da forma. Quando nós olhamos as bolhas de realidade, elas dando sentido pras nossas emoções, pro nosso raciocínio, pras nossas decisões, pro nosso sofrimento, pras nossas alegrias, a gente vê que aquilo se estabelece, depois flutua e pode perder o sentido. Então, se nós avaliarmos como aquilo se estabelece, a gente vê que aquilo se estabelece a partir de uma bolha de realidade que surge e nós operamos com isso.
A gente pode até em diferentes partes do dia ter diferentes tipos de desejos e apegos, né? Por exemplo, a pessoa tem uma vida familiar e quando vai pro trabalho, a pessoa tem outras regiões de desejo e apego ligados ao trabalho. Ela tem outros conflitos. Quando a pessoa tá em casa, as aflições do trabalho talvez penetrem, talvez não penetrem. A pessoa precisa trocar de contexto, ou seja, trocar de paisagem, trocar de bolha de realidade, pra aquilo tudo funcionar. Não se trata simplesmente de algo da mente, não é um raciocínio. É um envoltório que dá significado aos nossos raciocínios, às nossas emoções. É um envoltório que não precisa estar consciente, ele opera sem a necessidade de estar consciente, é uma bolha de realidade. Como os cientistas, ou como nós no cotidiano...
Eu gosto desse exemplo, é um exemplo já antigo, né? A gente olha pro sol e imagina que o sol se levanta e se põe, que se levante a leste e se põe a oeste. Isso é uma bolha de realidade. A gente vê com os olhos, né? É como também, a gente olhando riscos e vendo cubos, olhando riscos e vendo pessoas. Isso na arte é muito interessante. Tem esse livro, desenhando com o lado direito do cérebro, ele trabalha com essa questão, ou seja, como que nós podemos melhorar muito o nosso desenho se a gente olhar o desenho e não as imagens internas que brotam quando nós desenhamos. Quando a gente vai fazer um desenho é melhor olhar o risco que está ali, o risco, a sombra, as cores, as formas... Mas nós não olhamos isso, a gente vê as pessoas, as árvores, as paisagens... Aí nós não conseguimos desenhar direito porque nós misturamos o que nós estamos vendo com imagens internas. Então se vocês quiserem, por exemplo, fazer um teste disso, ver isso acontecendo, vocês experimentem olhar uma imagem e tentar reproduzir as cores, as formas, como aquilo está.
Tem um exercício interessante que é botar a imagem de ponta cabeça, porque a gente não vê direito, não consegue associar direito o mundo interno com aquilo, né? Aquilo fica meio assim (Lama faz careta). Então depois a gente tenta reproduzir os riscos, as sombras, as cores, as formas que a gente tá vendo. Aí depois vocês viram (ao contrário, pois estava de ponta cabeça) e vocês vão se admirar que vocês tão desenhando super bem. Simplesmente porque nós somos capazes de reproduzir os círculos, as formas, os riscos, as cores e as sombras, nós somos capazes de fazer isso, mas não quando a gente não consegue ver isso. Por exemplo, você olha para o rosto de uma pessoa querida, olha para o rosto de um filho, a gente não vê sombras, riscos, proporções, formas, a gente não vê nada disso. A gente vê alguma coisa reagindo dentro de nós. Então, essas são as estruturas, o que acontece. Agora, se a gente coloca, inspira e expira, inspira e expira, está dentro dessa região livre, então mais facilmente podemos olhar os riscos e reproduzir os riscos. Aí, depois a gente vira e vai descobrir que a gente aprendeu a desenhar. Repentinamente, né? Aí quando vocês chegarem em casa, vão perguntar:
- O que o Lama falou hoje?
- O Lama ensinou a desenhar, (risos) olha aqui ó! (Lama mostra desenho invisível na palma da mão). (risos)
- Mas como é que ele fez? Ele pegou papel, lápis...
- Não, não. Ele só explicou.
- Só explicou e funcionou?
Então é a questão do olhar, né? Como olhar, como ver. Se a gente consegue ver melhor, a gente consegue funcionar melhor. Tem esses exemplos interessantes que conectam com esses mundos internos, então nós temos essas bolhas de realidade, mesmo que a gente vá olhar um desenho, vai olhar uma imagem, uma foto, a gente não vê o que tá ali. A gente vê tudo misturado com esse mundo interno.

[Meditação como liberdade das bolhas]
Por isso é super importante a prática da meditação, como um aspecto de liberdade, nós trabalhamos  com essa liberdade. Também com relação às coisas que a gente precisa fazer, o movimento da nossa vida, é muito útil que a gente pratique a meditação em silêncio, no qual nós temos esse espaço de liberdade. Quando vocês estiverem diante de situações difíceis, vocês pratiquem isso... Nós sentamos desse modo, olhamos aquilo a partir dessa liberdade, aí outras ideias virão; vocês vão imediatamente lembrar que - enquanto vocês estavam envolvidos naquilo diretamente - as ideias eram muito limitadas. Agora, quando vocês recuam, vocês tem outras imagens. Isso é super importante.
Agora, eu aconselharia até que vocês fizessem esse exercício especialmente quando as coisas estiverem indo bem, porque quando as coisas estão indo bem, não quer dizer que elas estão indo bem. Pode ser que elas pareçam que estão indo bem... De modo geral a gente entra nos piores lugares quando as coisas parecem que estão indo bem. Porque, por exemplo, se vocês estão diante de alguma coisa que diz: “Cuidado, perigo! Aqui é a região de problema!“ Aí vocês param. Mas as coisas que nos enganam elas tem uma outra placa na frente, é assim: “Felicidade ilimitada! Você encontrou o Ser Maravilhoso!” Né? É assim: “Sou eu!” Alguma coisa assim, aquilo está ali, aí está tudo funcionando bem... Então, essa é a hora do perigo. Aí vocês parem e deem uma olhada. Eu não quero deixar ninguém desconfiado.. Não quero criar nada. (risos) Também, aí de noite vocês façam o teste, às duas da manhã vocês sentam, aí dão uma olhada. (Lama olha pro lado) Aí inspiram e expiram serenos, recuem pra esse lugar que está no infinito, e deem uma olhada no ser. Aí vocês vão ver a finitude do ser. Se aquilo resistir... Aí, estamos indo bem. (risos)

[Energias que nos movem]
Então, esse é o ponto, né? Quando vocês forem comprar alguma coisa... Eu acho maravilhoso, agora, época de natal, vocês vão ao shopping, chegam na vitrine e: “Oh! Que bom!” Aí, façam o exercício: “Oh, não... Aí correm pra lá.” (pra longe) (risos) Vocês vão agradecer ao Lama, (risos) a conta bancária vai, ó (Lama faz gesto de “subir” com a mão) (risos). Meditação é ótimo, não gasta nada. Agora, desde esse ponto silencioso, aí vocês começam a observar como é que os objetos se relacionam conosco ou como é que a gente se relaciona com os objetos. De qualquer nível, objetos abstratos, concretos... De modo geral, o que acontece é o que está descrito na Roda da Vida, bem no centro, no coração da Roda da Vida. No coração do Prajnaparamita tem o coração da Roda da Vida, aí eles se conectam. E o coração da Roda da Vida é o fato de que operamos dentro de uma bolha e essa bolha se estabelece devido ao fato de que os objetos, eles não são conceitos, eles são energias que nos movem. Os objetos - sejam eles quais forem... Ou as aparências.
Hoje nós olhamos alguma coisa, por exemplo, se nós olhamos uma paisagem, a gente não tá vendo os riscos, as formas, as cores, nós estamos vendo as emoções que surgem em nós. Quando a gente olha uma foto de alguém querido, ou até mesmo do chefe - que não é querido, no caso. (risos) A gente olha a foto de alguém, nós não estamos olhando os riscos, as sombras, nós estamos olhando o conteúdo interno que brota. E esse conteúdo interno, se ele faz nosso olho brilhar, ele faz brotar uma energia em nós e nós dizemos: “Eu gosto dessa pessoa.” Se, por exemplo, depois de um tempo a gente olha pra pessoa e lembra que não pagou a pensão do mês, aí a energia é outra. Mas a foto é a mesma, a foto vem desde momentos anteriores, aquela foto foi usada de muitos modos, agora ela tá ali pra gente lembrar das coisas perigosas da vida (risos). Nós estamos olhando aquela foto, qual é o conteúdo? O conteúdo, ele está ligado à emoção... O conteúdo mesmo da foto pode mudar. É incrível isso, né? A gente pode olhar pra uma foto e dizer: “Que ser maravilhoso!” Passa um tempo a gente olha pra mesma foto: “Eu não sei como eu achei esse ser lindo, maravilhoso. Eu não sei como... Isso foi um engano!” Por que? Porque a gente não olha a forma, a gente olha a emoção, olha o brilho que brota em nós, isso é o que acontece. E nós olhamos e aspiramos que o brilho esteja presente, então a sensação de felicidade, a sensação de bem-estar, ela está ligada com esse processo interno. Aí nós, nesse momento, no Samsara especialmente, nesse momento especial do Samsara como ele está desenhado hoje, nós temos uma conexão muito especial com essa experiência de olhar pras coisas e manifestar energia. Nós estamos muito dependentes disso.
Nós passamos muito tempo das nossas vidas organizando coisas, ou adquirindo coisas, ou colocando coisas perto de tal modo que elas façam nosso olho brilhar. Então o Samsara tem esse software, é assim que opera a nossa mente. Agora, pra gente descobrir isso a gente tem que acordar às duas da manhã (Lama faz careta de que está acordando) a gente no meio do sono, no meio do sonho... A gente acorda e começa a olhar o significado das coisas, ou então, meditar mesmo. Ver o quê que acontece quando a gente olha pras coisas, qual o sentido que as coisas ganham pra nós, como é que elas funcionam dentro, porque é que nós temos essa conexão ou não temos a conexão, aí nós vamos ver o sentido da palavra energia, a energia que nos move.
Essa palavra é justa porque ela impulsiona nossa ação. Aquilo que a gente acha favorável, a gente tem um impulso em direção aquilo, se nós não temos uma relação favorável a gente tem uma reação. Isso no budismo é chamado de Vedana. A gente tem essa conexão, ela não é uma conexão verbal, conceitual, é uma conexão de energia.

[12 elos]
Então, de um modo geral, as nossas vidas são um esforço incessante de nos aproximarmos daquilo que movimenta energia e nos afastarmos daquilo que nos afeta (negativamente). Isso daí está bem estruturado, bem explicado no conjunto de ensinamentos que o Buda deu logo depois da iluminação dele, ele percebeu isso. Isso é chamado dos 12 Elos da Originação Dependente.
Ele explica isso. Nós olhamos pros objetos e não é o conceito, é o movimento que aquilo produz, ele produz atração ou aversão. Na sequência, baseado nesse movimento, nós tomamos decisões, aí surge desejo e apego. Aquilo que produz essa energia nós queremos. O que não produz, nós rejeitamos. O que produz energia contrária nós rejeitamos.

[Insatisfatoriedade]
E nós estamos presos dentro disso, agora o Buda percebeu, desde esse estado livre, ele olhou pras coisas e ele viu, por exemplo, que num certo momento nós podemos ter uma conexão com algumas coisas, mas essa conexão é insatisfatória. Ela tem uma insatisfatoriedade dentro. Significa o quê? Que por um tempo nós temos essa conexão, pode ser que mais adiante aquilo se desgaste. É como alguém que colocou papel de parede na casa, ou numa parede da casa. Daqui a pouco a pessoa não está mais aguentando aquele papel  de parede. Ou uma pessoa que botou um quadro na sala. Daqui a pouco a pessoa não está mais aguentando aquele quadro.
Eu me lembro, meu pai tinha uma fotografia do Stalin na parede (risos) aquilo era uma fotografia super interessante porque eu, criança, chegava, olhava pra ele e ele estava olhando pra mim. Eu ia caminhando e ele continuava olhando pra mim, eu entrava pela outra porta, ele continuava olhando pra mim, eu achava ele meio... Ele sabia todos os meus pensamentos! Sabia que eu não estava com bons pensamentos! (risos) Então, tem coisas que a gente coloca e depois tira, né? (risos) Isso é insatisfatoriedade. Na vida, inevitavelmente nós temos isso.
Eu acho bonito, tem muitos exemplos. A pessoa passa no vestibular e depois de seis meses abandona o curso. Tem situações mais graves: a pessoa termina medicina e faz o estágio final, como chama? Residência, não é? Aí desiste daquilo. Então, essas coisas são graves, super graves. Coisa de insatisfatoriedade. Hoje eu não estou, como vocês veem, pensando na coisa das relações de casal, né? Mas é tudo a mesma coisa.  Aí a pessoa tem uma esposa... E, aliás, lutou duramente pra ter essa esposa. E a insatisfatoriedade - grrrrrrrr (Lama faz gesto de cortar o pescoço com a mão) - pode afetar isso. Lá pelas tantas, a pessoa pensa que o problema é justamente aquele ser. Isso acontece, mesmo pra budistas... (risos) Insatisfatoriedade.

[Impermanência]
Se fosse só isso, né? Mas aí tem: Impermanência! Aquele Ser maravilhoso é impermanente. Melhor entender isso. Melhor entender: os seres vem e vão.
A melhor história que eu conheço disso eu já contei também, mas essa história é tão boa, é assim: Eles eram… Ele era artista. Eu não me lembro o nome deles, não me lembro quem eram eles, mas, eram dois amigos e um deles tinha uma esposa, muito linda. É que a esposa, já que eles eram muito amigos, se transferiu de amigo (risos). Aí aquilo não ficou bem, né? (risos) Não ficou direito aquilo, né? (risos) Aí o outro amigo não sabia o que fazer porque ele tinha perdido a esposa e o amigo, e aquilo ficou mal… Aí, teve um dia em que ele bateu lá na porta deles. Quando apareceu o ex-amigo, ele puxou uma arma e pá! Era uma arma de água: pffff (Lama faz barulho de esguicho), ele pfff! E outro levou aquele susto, né? Aí eles ficaram amigos de novo ali. Ele perdeu só a esposa. (risos) Então, é interessante isso... Aí, muda a bolha. Aquilo mudou, né?
Então é um aspecto... A realidade tem esse teor… Lá no Sul diriam: dois amigos nunca brigariam por causa de uma mulher, né? Mas eu acho que brigariam sim. (risos) Abre o jornal e tá todo mundo se matando por isso... Mas tem esse aspecto, a gente poderia dizer que quem respirar um certo numero de vezes não vai matar o outro. A pessoa respira e entende esse espaço. Ela olha e ela não tem essa conexão, nela não vai brotar esse tipo de perturbação.

[Sofrimento e lucidez]
Aqui nós temos a impermanência, a insatisfatoriedade, mas aí há um terceiro aspecto que o Buda descreve que é o sofrimento. Então, a arte do sofrimento é vasta. Ou seja, conexões que a gente desenvolveu. E essas conexões foram por desejo e apego. E elas produziram sofrimento. Isso é inevitável, nós temos muitos exemplos disso. No entanto, nós podemos também sair disso desde que a gente use essa consciência estável.
Nós não precisamos ter aquele sofrimento. O sofrimento se dá quando nós estamos imersos naquela bolha de realidade. Então, o Samsara, ele é justamente essa imersão num conjunto de significados que movem a energia e eles não vem como raciocínio, eles surgem como imagens diante de nós. O exemplo mais claro das imagens é justamente esse que vem do desenho mesmo, né? Como um cubo, que a gente risca e vê um cubo, em 3D. Desenha em 2D, em duas dimensões e o cubo tá em 3D. Esse desenho do cubo é muito interessante, porque é 3D. O quadrado da frente não está no mesmo plano que o quadrado do fundo, aí a gente pode perguntar: agora deixa eu olhar bem... Eu estou olhando. Será que é o quadrado da frente que está no papel ou é o quadrado de trás que está no papel? A gente não consegue localizar, porque quando a gente vê o cubo, a gente perde o papel, perde o plano. Aquilo acontece nos nossos olhos. Então vocês veem que nós temos a capacidade de introduzir uma terceira dimensão nas coisas. Aí em torno de uma quarta, uma quinta, uma sexta é fácil... Todas as dimensões. Por quê? Porque a gente não olha pras coisas, a gente olha internamente. Aquilo é apenas um acionador das características internas que representa perfeitamente a bolha de realidade em que nós estamos imersos.
Eu prefiro falar como bolha de realidade e não como realidades. Porque “realidades” parece que elas são concretas, elas são lógicas. E essas realidades não são lógicas. As bolhas não são lógicas, elas apenas operam, elas dão movimento a nossa energia e elas parecem completamente concretas. Então isso conecta com a meditação. A meditação nos permite gerar essa lucidez. Essa lucidez nos permite atravessar os Seis Bardos, ou Cinco Bardos, dependendo de como a gente conta. Ela nos permite atravessar o Bardo da Vida, aquilo que estamos vivendo aqui, aquilo que parece denso, a gente olha… O campo visual. A gente não está olhando atrás, a gente está olhando à frente. Quando a gente olha à frente, a gente esquece atrás. Nós reagimos a isso. Essa reação, ela movimenta a nossa energia, não é um conjunto de ideias, é um conjunto de energias. A gente vai olhando e objeto por objeto ele produz um movimento na nossa energia. A gente olha esse campo, nós podemos olhar esse campo do lado de dentro, buscando aproximar o que aciona nossa energia e rejeitar o que afasta... Isso é o movimento usual do Samsara. Isso é a nossa vida inteira.  Se a gente explicar, é nossas vidas todas anteriores, a gente só fez isso. Isso é o Samsara.
Agora nós podemos, olhando isso, gerar uma lucidez diante disso. Isso é o que o Buda irá propor, que a gente pratique a meditação e gere uma lucidez diante do Samsara, esse tipo de lucidez diante da Roda da Vida. Caso contrário nós somos como equilibristas, sempre buscando alguma coisa. Se a gente olhar a sociedade como um todo, nós vemos as pessoas incessantemente buscando situações, propriedades, objetos, que possam movimentar energia. Aí, o objeto desgasta, porque a insatisfatoriedade existe. A pessoa leva pro brechó, ou aquilo vai pra reciclagem, pra uma ressignificação, e nós estamos ressignificando tudo. Nós estamos dentro da Impermanência, tudo mudando o tempo todo.
Então, desejo e apego é quando nós manifestamos essa dependência; mas nós podemos viver de um outro modo (aí vem o ensinamento budista), não é apenas essa lucidez na frente.

[Sambhogakaya e Samsara]
Aí tem uma expressão no budismo que chama Sambhogakaya que é, por exemplo, quando nós sustentamos a energia por uma outra fonte que não os objetos à nossa frente, esse é o ponto, né? Existem muitas formas de nós fazermos isso, então depois de descobrir esse espaço livre nós podemos agora utilizar isso de uma forma melhor, e algumas pessoas podem, por exemplo, descobrir o que nós vamos chamar de Chenrezig que está associado ao mantra Om Mani Padme Hum.
Chenrezig significa: nós vamos olhar os outros seres e vamos entender que eles estão nesse lugar super difícil, eles estão super confusos, no meio disso, eles estão olhando pras coisas, brota uma energia, eles têm um impulso; é como quando a gente olha pras crianças: a gente olha pra eles e eles estão fazendo isso o tempo todo, eles olham e nem raciocinam, eles tchum (Lama faz barulho de explosão de energia) começam a reagir aos objetos, se gente mostrar uma outra coisa eles saem numa outra direção, é difícil, por exemplo, uma criança que está fazendo alguma coisa e a gente mostra uma outra coisa que a atrai, ele abandona aquilo e vai pro outro; ele não vai dizer: um momentinho, eu vou terminar aqui e depois eu vou praí; ele não vai dizer isso, ele vai direto.
A maior parte das pessoas, quase a totalidade dos seres é assim, se a gente entra na nossa própria casa, a gente pode perceber isso. Por quê? Porque a gente entra, olha a nossa casa, tem uma quantidade de coisas que são tarefas não concluídas que a gente deixou, deixou um sapato aqui, uma louça suja ali, uma geladeira aberta, o fogão… Alguma coisa. De vez em quando a gente deixa a água em cima do fogão, a chama acesa.. A gente esquece. A gente está fazendo uma coisa, surge uma outra coisa e a gente engata naquela outra, nós vamos reagindo às coisas, é difícil manter essa coisa estruturada, virginiana, com tudo direito, uma coisa depois da outra, “um momentinho”. Aí chega a namorada e você diz: “Um momento, que eu estou terminando esse relatório e já vou falar com você…” Aí a pessoa deixa a outra esperando uma meia hora ali. Conclui o relatório... Não dá né? Não tem condições... Então nós vamos deixando.
É como... Vocês estão na internet, né? Aí vocês olham alguma coisa, aí vão procurar uma outra e enquanto estão olhando essa coisa já esquecem da primeira, aí a gente fica zapiando literalmente, zapiando significa perdido, né? De um lado pro outro, ali.
Aí na nossa realidade a gente fica zapiando também, de um lado pro outro de acordo com as coisas. As crianças também, elas ficam assim. Uma coisa brilha, outra coisa brilha, nós vamos sacudindo de um lado pro outro. Então, esse é o Samsara, esse é o processo. Agora, na medida em que a gente descobre esse inspira e expira, inspira e expira; quinze anos depois, a gente descobre que tem alguma coisa estável, atrás.  Esse é o Zen, né? Mas aqui, a gente aprende na hora, não precisa nem ficar quinze anos.  Inspira e expira. Nem precisa inspirar e expirar é só pensar e ver o que acontece.

[Manifestando a própria energia]
Aí a gente descobre essa região livre. Aí nós podemos pensar: “Ok, então como é que eu vou me movimentar?” Aí nós vamos nos movimentar manifestando a própria energia, aí nós vamos primeiro gerar a energia, a gente mantém a energia estável de outra fonte, independente do que aconteça na frente. Aí nós nos aproximamos dos lugares onde nós vamos nos mover... A gente não está chegando nos lugares pra ver que energia vem de lá e se a energia não for boa a gente não anda, não. Primeiro gera a energia, aí nós andamos nos lugares. Uma das formas de sustentar a energia é Chenrezig, então a gente entende que as pessoas estão assim, que nossos filhos estão assim, os netos tão assim... Então, fazer o quê, né?

[Compaixão não é pena]
Aí nós olhamos e a gente pode pensar: “Ah, a chance deles é – ó – pequena. Até mesmo quem chegar pro filho e dizer: “Ó, eu vou lhe explicar uma coisa, agora você senta assim, inspira e expira, dá uma olhada e...” “Mamãe você está assim, perturbada, é melhor você inspirar e expirar que eu vou ter que tratar da minha vida, você fique aí tranquila.” Difícil, ninguém quer ouvir, as pessoas não ouvem, eu não sei como é que vocês estão aqui. (risos) Não sei o que aconteceu, né? Mas, tudo bem, né? (risos)
Se a gente pudesse passar isso, maravilhoso. Mas a gente não pode, né? Aí a gente não pode e diz: Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum (Lama faz gestual de passar as contas do mala).. É compaixão pelos seres. Compaixão não é desistência, é mais ou menos: “Me aguarde! Eu descubro um jeito...” Om Mani Padme Hum. Então, essa outra pessoa, ela tem essa natureza, ela tem essa capacidade, porque todos tem. Mas ela às vezes não tá usando isso.
Então compaixão não é pena, não é assim: a outra pessoa não tem solução. A outra pessoa, ela pode descobrir isso, mas ela não tá com vontade de ouvir, não tem como; eu não sei como vou transmitir isso pro outro, né?
Também a gente olha com amor, é Chenrezig, olhar com amor e a gente ver qualidades no outro, a gente ver coisas boas, quando a gente está olhando as crianças a gente está olhando coisas boas nelas, qualidades nelas, e a gente tenta estabelecer relações com essas qualidades pra que mais adiante a pessoa também possa descobrir outras coisas profundas dentro de si.
Se, no mínimo, nós mantivermos uma conexão com a pessoa, isso é uma boa coisa. E chega um tempo em que a pessoa entende. Então, é só paciência, né? Aí, aquilo vai indo. Então o mantra Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum. Ele é o mantra disso, quando nós chegamos diante dos outros a gente não pensa que o outro é favorável ou desfavorável; então como o outro estiver, não é o que vai afetar nossa energia, nossa energia tem uma fonte própria, não tá dependendo do que a gente vê, ou da impressão que brota de dentro quando eu o vejo, não é isso, a nossa energia é uma energia estável; aí quando nós chegamos, a nossa energia não vai se perturbar pelo que está se apresentando ali. Isso é super importante, isso é o início do processo de nós liberarmos o nosso movimento, do software de ficar na dependência, isso é crucial, pessoal.

[Inteligências Sambogakaya]
Aí tu tem uma série de sugestões, e todas essas inteligências que nós podemos utilizar, nós vamos chamar de Inteligências Sambogakaya, que elas não são Inteligências nossas, são um aspecto milagroso, do mesmo modo que esse silêncio atrás não é nosso. A gente usa esse silêncio mas isso não desgasta esse silêncio.. Aí o outro pode, o outro pode, o outro pode… Compaixão e amor também, a gente pode, o outro pode, o outro pode. A gente não é como o wi-fi, por exemplo, se a gente disser pro amigo o código, a senha, daqui a pouco a banda tá sobrecarregada, né? É que a banda da compaixão, do amor e do silêncio não sobrecarrega... Aquilo é um wi-fi dos Budas, é uma outra coisa... (risos) Uma banda infinita!  Você senta lá, todo mundo conectado, só aumenta... A gente suga a banda inteira... Não tem isso né?
É como, por exemplo, a luz da lua, no Zen também se fala nisso... Como a luz da lua, a pessoa vê a lua... Aquilo é meio difícil de entender, como é que a outra pessoa no outro estado tá olhando a mesma lua? E eu: como? A luz está vindo pra mim... Como é que está lá também?  Isso eu já não entendo... É assim, né? Uma luz séria ilumina num lugar, depois noutro lugar, depois noutro lugar (risos). Agora, tudo ao mesmo tempo? Hum...
Aquela luz da lua agrada todos os seres, né? Aí eu vejo assim também... Tem algumas pessoas que dizem: “Eu sou como a luz da lua, agrado todos os seres.” (risos) É assim, a pessoa descobre que o namorado é desse tipo, que nem a luz da lua... Agrada a todos os seres (risos), é uma compaixão infinita, é maravilhoso isso, né? (risos)
Mas aí se entende o que é Sambogakaya. Sambogakaya é isso, não é algo que é nosso. Por exemplo, se a gente tem alguma coisa, as nossas propriedades, as nossas coisas, que a gente diz que é nosso. É nosso e não é de outro, né? Eventualmente a gente compartilha, mas a luz da lua não tem esse problema. E Sambogakaya também não.  É uma característica desse tipo de inteligência que se a gente usa e outros usam não afeta, pode usar simultaneamente que não tem nenhum problema.  Já a namorada e o namorado, isso já não seria o caso. (risos) Aí vai dar problema... A gente vê, mas o amor, por exemplo, ele é amplo, eu não queria entrar nesses assuntos (risos) é meio complicado... E eu nem entendo muito bem disso...  Mas então a gente vai ver... O amor é uma coisa ampla, mas namorado é uma coisa estreita... É assim...
Então, Sambogakaya vai estar lá sempre disponível. Namorado já é uma outra coisa, especialmente, por exemplo, a conexão com os objetos de desejo e apego, que eu não  vou enumerar aqui. Nossa conexão com os objetos de desejo e apego, não são seguras. Às vezes funcionam, às vezes não funcionam. Tem um nível de insatisfatoriedade, enquanto que as conexões com o nível de inteligência Sambogakaya são sempre favoráveis.
Por exemplo, se vocês tiverem um amor universal assim, vão estar sempre disponível: compaixão, amor, etc. E especialmente a energia, ela está disponível, ela está presente. Então, a melhor coisa que podemos fazer no nosso funcionamento é manter a nossa mente - a nossa operação - conectada com uma energia de Sambogakaya. Uma Inteligência Sambogakaya, que não flutua. Aí onde vocês chegarem aquilo é benéfico.
Isso funciona também nas relações, por exemplo, vocês têm namorados ou namoradas... Namorado ou namorada - vamos fazer assim, no singular, e não no plural, né? Aí vocês tem essa relação, então se vocês esperarem que o outro sorria pra vocês terem proximidade,  isso é problema. Então é melhor vocês manifestarem compaixão e amor e estabelecerem essa relação com o outro. Isso permite que as relações, elas sejam para sempre. Elas não são relações que terminam, são relações pra sempre, mesmo que as pessoas não vivam mais juntas, estejam fisicamente separadas, as conexões práticas da vida tenham se desconectado, ainda assim nós podemos ter essa conexão de compaixão e amor a qualquer distância, assim. Então a gente não altera isso. Então é melhor desse modo, né? Então nós temos essa conexão favorável com o outro, cada pessoa que a gente encontra não é uma pessoa que a gente vire as costas. É uma conexão que não termina mais, a gente mantém aquilo, por quê? Porque ela independe de se as coisas estão indo bem ou estão indo mal, nós manifestamos uma energia autônoma, uma energia própria, então, esse é o ponto.

[Sabedoria do Espelho]
Então isso é o processo de nós usarmos Sambogakaya como um meio de andar na vida. Aí nós utilizamos dessa inteligência, e nós temos também a inteligência do Buda Akshobhya, a Sabedoria do Espelho, ela também está disponível pra download free, né? Não precisa nem ir na loja é “shoop” (Lama faz barulho de pegar no ar) acessar, né? Significa o quê? Nós entendermos os outros seres no mundo deles, isso é super útil, né?
Super útil, se vocês tem uma relação - a gente sempre tem relações com muitas pessoas, né? - Ou filhos, pai e mãe... Às vezes, a nossa fala não funciona. Quando ela não funciona, nossa comunicação não funciona por quê? Porque o outro está dentro de uma outra bolha, nós falamos alguma coisa a pessoa não entende, então é necessário que a gente entenda o outro no mundo dele. Ou seja, na bolha dele. Aí quando a gente fala dentro da bolha do outro, aquilo funciona. É simples.
Agora, final do ano, a gente vai ganhar presentes, essas coisas, né? Aí nós vamos ver se vocês estão sendo entendidos, né? Pai que ganha cueca, meia, gravata...  Aquilo não está funcionando, né? Criança que ganha caderno escolar, lápis, (risos) ninguém está entendendo, né? Ou cueca, calcinha... Hum. Tem algum problema aí, né? Panela de pressão, né? Dar pra mamãe uma panela de pressão, né? (risos) Se você não sabe o que dar pro outro, vocês vejam, a dificuldade é que a gente não consegue entrar bem no mundo do outro, se a gente conseguir entrar no mundo do outro, é mais fácil...
Então a gente logo vê isso, o porque da sabedoria do espelho, né? A sabedoria do Espelho é crucial para educadores, né? A gente tem os alunos, a gente quer passar aquilo pros alunos, a gente vai ser entendido ou não. Se a gente conseguir falar dentro do mundo do outro, ele te entende, ou se a gente conseguir puxar o outro pra dentro do nosso mundo, e falar, o outro entende. Os professores, eles tem essa habilidade de criar espaços e puxar os alunos pra dentro desses espaços onde então eles vão entender as coisas. A grande habilidade dos professores é propiciar a capacidade da pessoa sair do seu mundo estreito e entrar num mundo mais amplo, isso é super especial, os pais também, eles também vão fazer isso...
Então, nós temos esse desafio que é a Sabedoria do Espelho, agora vocês pensem: e os médicos? Quando eles olham pra nós, os cuidadores, os terapeutas, se eles não entenderem cada um de nós no nosso mundo, como é que eles vão nos ajudar? Super difícil. E os médicos, eles também, os terapeutas... Como os pais e os professores, eles olham as pessoas como as pessoas olham as imagens que vão desenhar. Eles não olham as imagens, eles olham o que brota da mente deles. Do mesmo modo que a gente olha o céu e vê o sol se levantando a leste e se pondo a oeste prova que... Olha lá... Lá é o leste, lá é o oeste... O sol se levantou e desceu. Então aquilo é obvio. Então, quando a pessoa pega um exame de laboratório e olha pra aquilo, ela também está vendo o sol se levantando e se pondo, ela pensa que não está interpretando, mas ela está interpretando. Está trazendo um desenho das imagens internas que ela aprendeu; outra pessoa olha aquilo, que tem outros conteúdos internos e vê outras coisas. É super importante que a gente consiga observar o mundo do outro; nessa área de saúde isso é crucial.. Uma forma de raciocinar é como que aquele conjunto de sintomas está ocorrendo, como é que ele surge? Aquilo não é uma doença que agregou, não é que a pessoa levou um tiro, não é isso... A doença não é um tiro que a pessoa leva, é uma forma de estabelecer um tipo de relação com a própria situação que ela está vivendo em vários níveis. Aí aparece isso, assim.
Então, é muito importante nós localizarmos esse movimento da energia, como aquilo tudo vai, como é que a vida da pessoa estabelece as condições que vão produzir aqueles sintomas... Essa é a Sabedoria do Espelho, nós vamos olhar de uma forma profunda aquilo, tentar entender aquilo no mundo em que aquilo está surgindo.
No caso, das nossas relações de casal, também é crucial, né? Se a gente consegue entender o outro, manter uma energia própria e entender o outro e se manifestar dentro do mundo do outro de uma forma positiva, nós vamos estabelecer relações super estáveis, né? Especialmente se o outro é capaz de fazer o mesmo... Ele é capaz de olhar pra nós, se alegrar, manifestar uma energia própria e nos ajudar.
Um teste já é assim: como é que funciona nossa energia enquanto a gente está lavando a louça. A gente está lavando aquilo, está lavando as panelas, limpando o fogão... Se a nossa energia vem do fogão sujo, de um modo geral a pessoa entra em colapso. A nossa energia, uma energia própria, se manifesta sobre o fogão, e o fogão... Fica brilhando. Aí tem aquela pilha de louças na cozinha... Final de ano é bom, né? Aí se nossa energia vir da pilha de louças, a situação é grave, né? Mas se vocês tiverem uma energia própria, e avançarem com essa energia própria sobre a pilha de louças, aí aquilo em pouco tempo está arrumado... Se vem alguém pra ajudar, você diz: “Não precisa! Deixa eu praticar aqui a minha meditação, eu estou só inspirando e expirando e a louça tá limpando” (risos). Vocês façam esse exercício, vocês olhem a pilha de louça e parem, aí recuem um pouquinho, aí sorriam e vejam! Exercício maravilhoso, né?
Se eventualmente vocês tomarem alguma coisa - por um descuido, né? (risos) Aí o mundo começa a girar, aí vocês tentem retornar e ver o que acontece... Aí nós também podemos retornar e vir a um nível de lucidez no meio disso... Aí quando o guarda chegar e trouxer o bafômetro você diz: “Isso não mede porque eu volto pra aquele estado atrás e ali não oscila nada.” (risos) O senhor não tá entendendo isso.
Então tem essa questão, do mundo dos seres, aí nós vamos entendendo isso. Sabedoria do Espelho.

[Sabedoria da Igualdade]
Aí tem Sabedoria da Igualdade - super importante nas relações. Sabedoria da Igualdade significa assim: a gente olha pros seres, a gente tem esse espaço livre, agora eu decido o que que eu vou usar nesse espaço livre. Eu vou usar a capacidade de entender os outros no mundo deles e me associar às coisas boas que estão acontecendo com eles. Então, quando eu vejo as coisas boas, promovo as coisas boas dentro do outro, me alegro. Isso existe, tem um número grande de pessoas que tem essa alegria, né? Eu considero que isso é o aspecto humano, o principal, assim... A característica humana principal, né?  Eu não sei se os animais tem isso assim. Eventualmente com os filhos, né? Mas não todos... Os irmãos eu já não sei, um pouco menos, né? (risos) Mas pai e mãe com os filhos, pode ser.
Mas, por exemplo, os filhos estão bem, nós nos alegramos. Nossos amigos estão bem, nós nos alegramos. Mas, pode ser que os nossos amigos estejam bem e a gente fique invejoso. Pode acontecer isso. Um ou outro caso (risos) é assim. Aí a Sabedoria da Igualdade se foi, né? Por quê? Porque o outro está bem e eu não consigo me alegrar porque o outro está bem. Não é incrível isso? Deveria se alegrar, o outro está bem. É uma boa coisa...  Porque que é difícil isso, né?
Às vezes, a nossa Sanga, né? O nosso grupo tem várias instituições. Então, às vezes, surge uma discussão, assim...  A discussão de uma mão com a outra, né? “Estou dando para você, mas eu não sei se eu estou me alegrando em dar para você.” Uma mão dando pra outra, né? É a mesma instituição, mas tem esse hábito mental, né? Eu estou dando para você mas, você está me devendo agora”. Uma mão dando pra outra, é? Não existe isso, as duas mãos são a mesma coisa, né?
Aí tem esse exercício tibetano, você pega alguma coisa e dê para a outra mão. Você sente: “Eu tenho que dar mesmo, né?” (risos) Mas e aí? Vai fazer falta pra mim. Mas você vai dar pra outra mão! Você tem uma luva e aí põe na outra mão! Ó! “Essa?” “Eu vou ficar com frio agora nessa mão!” Então, é muito curioso porque, do mesmo modo que a gente olha para um risco e vê um cubo, a gente olha para um desenho e não vê o desenho. Vê formas e energias. Quando a gente olha para as coisas dentro da perspectiva separativa a gente acaba por se atrapalhar, a gente pensa que uma mão tem prejuízo ao dar pra outra.
Então essas coisas, elas se introduzem, elas são nossas disposições cármicas. Elas vêm e elas aparecem como conteúdo dos outros objetos. É que a gente volta pro espaço livre e manifesta a Sabedoria da Igualdade.

[Festas de fim de ano]
Se a gente quisesse definir as festas de fim de ano num aspecto mais sutil, a gente diria: É a festa da Sabedoria da Igualdade, né? A gente vai se alegrar uns com os outros, nós vamos nos alegrar uns com os outros, a gente vai se reencontrar. Então vocês podem sobreviver às festas de fim de ano com esse olhar, assim. (risos) Sabedoria do Espelho, Sabedoria da Igualdade, né? Aí não importa quem venha, até os irmãos de vocês na festa, assim... Pai e mãe, né? É uma época difícil... Aí aparece ex-namorado, ex-esposa, ex-filho... (risos) Aparece todo mundo e a gente não sabe o que fazer, né? Aí vocês olhem Sabedoria da Igualdade, se alegrem genuinamente que a outra pessoa esteja viva, por mais que vocês tenham rezado antes em outra direção, né? (risos) “Que bom que você está vivo, né? Vamos ver se você resiste ao próximo ano.” (risos) “Que bom” (risos)
Pra nós, a gente tinha que fazer esse exercício genuíno, né? Esse olhar. Aí, se vocês não tão conseguindo, aí vocês pensem eu estou diante de um espaço em que eu estou dando significado, de um campo visual que eu estou dando significado como se fosse um desenho. Aí vocês voltem pro silêncio, peguem lá do fundo, bem do fundo, Sabedoria da Igualdade. Aí: “Agora eu me alegro com esses seres...” Antes de ir pra festa, natal, etc. de fim de ano. Aí vocês façam: Que todos os seres sejam felizes (Lama finge passar as contas do mala), que encontrem as causas da felicidade, que superem o sofrimento e as causas do sofrimento...Todos, sem exceção, né? Você pensa em quem vai estar na festa... “Que ela esteja feliz, que supere o sofrimento, que encontre as causas da felicidade, supere as causas do sofrimento.” Vão olhando, aí vocês se preparam pra festa! Isso é se preparar, né? É a festa da igualdade, Sabedoria da Igualdade. É isso, né? É duro, mas, é isso...

[Sabedoria Discriminativa]
Aí tem Sabedoria Discriminativa, nós também podemos usar esse espaço, agora pra olhar com um olho de realidade. Sabedoria Discriminativa poderia ser assim, como se fosse a espada de Manjushri. Manjushri é aquele que olha tudo com o olho que é, ele corta a ignorância. Então nós estamos na festa e pá: “Você envelheceu, né?” (risos) É honestidade, né? Agora, isso não é nada: “Você vai morrer, entendeu!?” (risos) Sabedoria de Honestidade, né? É assim... Quando vocês abraçarem as pessoas, vocês abracem com Manjushri: “Você tá mais velho e vai morrer!” Aí não dá, né? Não dá... Então, Manjushri é um perigo... Não serve pra festa. (risos)
Mas Manjushri é muito bom pro dia dois de janeiro, né? Bom, agora... Realidade! (risos) E agora... Passou o ano e eu faço o quê, né? Vou ficar nessa confusão, vou acordar ou não vou acordar? Então quando a gente está olhando, como é que nós operamos com nossa energia. De um jeito, de outro… E nós ficamos dependentes.
Então isso é Manjushri cortando esse funcionamento que parece natural, que parece que está tudo bem e ele está lá (Lama faz barulho de faca cortando o ar) trabalhando, Manjushri. Ele trabalha assim (Lama faz sinal de proximidade com os dedos) com Chenrezig; Chenrezig é o bonzinho, né? Compaixão, amor, essa coisa... Mas, por exemplo, como é que a gente pode manifestar compaixão e amor que não sejam lúcidos? Tem que ser compaixão e amor lúcidos, se não for lúcido, não adianta; então, Chenrezig e Manjushri, juntos. Aí, se vocês quiserem lembrar façam um cartão de natal de Manjushri. Bota Manjushri assim na capinha, quando abre está ali: “Todos os seres nascem e morrem.” (risos) Nos alegramos que a gente não morreu ainda. (risos)
Primeira Nobre Verdade: sofrimento. Verdade do Sofrimento. Segunda Nobre Verdade: causas do sofrimento. Aí vem assim, Terceira Nobre Verdade: o sofrimento pode cessar. Ah, aí é bom, né? Quarta Nobre Verdade: existe um caminho para cessação de sofrimento - é só abandonar todas as negatividades... (risos) É assim. Oito passos. Muito simples. É uma boa coisa, é uma boa coisa.
Então, a sabedoria, a lucidez, super importante, né? Nós podemos usar esse espaço pra manifestar a lucidez. Essa lucidez é muito importante na nossa vida, né? Porque, por exemplo, a gente pode ter as relações de casal, nós estamos bem, nós podemos estar felizes, mas é necessário entender como é que tudo gira… Se a gente não tiver essa capacidade, quando surge um problema, a gente não sabe o  que fazer.  Então eu preciso manter essa energia em qualquer circunstância, é o primeiro ponto - não ficar na dependência das coisas. A partir dessa energia usar os vários níveis de lucidez e as várias Inteligências de Sambogakaya. Sabedoria do Espelho, Sabedoria da Igualdade, Sabedoria Discriminativa, Sabedoria da Causalidade. Veja só, é muito importante que mesmo que as coisas estejam indo bem, que a gente entenda que certas ações, elas vão causar problemas e outras vão ser melhores. Umas são melhores e outras são piores, então é melhor fazer as melhores ações e evitar as outras.
É assim, a gente tem que entender isso. Compaixão e ensinar às crianças, ensinar aos outros a como fazer as coisas melhores, isso tudo é compaixão, né?
Então, a Sabedoria da Causalidade, elas às vezes surge como se fosse alguém chato dizendo: “Olha, faça isso e não faça aquilo.” Mas é crucial. Os pais, eles deveriam ajudar aos filhos, mais, deveriam ajudar uns aos outros a fazer as coisas funcionar; os terapeutas, os médicos, eles também têm que ajudar, todo mundo. Nós estamos num processo de educação constante. Eu resolvi essa análise em que o profissional em que mais tempo nós nos conectamos são os professores. A gente está sempre ligado a um processo de educação, a gente está sempre aprendendo. O tempo todo.

[Sabedoria da Causalidade]
Então, a Sabedoria da Causalidade é muito importante, no caso das relações, ela tem um desafio, por exemplo, nós deveríamos realmente manter nossa energia equilibrada independente das circunstâncias. Então, pode vir alguém e nos agredir, a gente não deveria oscilar... A nossa energia não deveria oscilar, por agressão, nem por elogio, por nenhuma circunstância. A gente deveria se manter, assim. Na verdade a agressão não é mais grave do que a sedução. A sedução, ela aparece como se fosse o céu se abrindo pra nós. A gente não tem defesa pra isso, a gente está sempre esperando que alguma coisa sedutora apareça e que a gente então explique que vai fazer algo especial, né? A gente tá buscando um processo desse, aí aparece alguma coisa sedutora e nos leva facilmente.  Então, nós precisamos ter esse equilíbrio de  novo, né? Frente a situações sedutoras e situações ameaçadoras nós inspiramos e expiramos um certo número de vezes, percebemos esse espaço livre, olhamos pra aquilo e escolhemos com que olhar nós vamos olhar... Sabedoria da Causalidade, a gente vê onde é que aquilo vai dar, né? Se aquilo é favorável ou desfavorável, então é muito importante.
Com os filhos também... Às vezes, eles se comportam mal, eles apertam, pesam... As relações de família também, né? Aí, quando vocês estiverem na festa de final de ano também. Aí, vem as pessoas e elas tem uma perturbação natural, depois que elas tomam a terceira - não sei bem o quê - aquilo solta mais...  Aí vocês fiquem serenos, aí eles ainda vão dizer: “Você não está bebendo e está só com essa cara aí.” Aí, ainda assim vocês fiquem serenos, né? “É que eu não tô bem do fígado.” (risos) Aí evitem... Quando vocês sentirem que estão com a sensação de fazer alguma coisa, vocês de novo respirem e lembrem - Sabedoria da Causalidade - não é interessante. É como se fosse a pilha de louça, aquilo está acontecendo mas não é aquilo que vai perturbar você. Aquilo simplesmente se manifesta. Aí tem pessoas especializadas em perturbar gente serena... (risos) Aí você tá sereno e a pessoa:
- Você tá tão sereno...
Aí, começou... E você:
- Ó... (Lama revira os olhos com enfado).
- Você é sempre assim?
E você:
- Só em festa de natal! (risos)
Aquilo é uma realidade. Escapar é um bom treinamento, né? Aí vocês de novo... (Lama inspira e expira com força) “Ó, sim.” Sabedoria da Causalidade, né?

[Sabedoria de Dharmata]
Aí tem Sabedoria de Dharmata. Sabedoria de Dharmata é nós aprofundarmos a lucidez sobre esse estado livre. Percebermos que onde nós estamos ele está sempre presente. Durante a vida, quando nós dormimos à noite e sonhamos, a gente está dentro de um quadro que aparece na nossa mente. A gente está deslizando no meio daquilo. No entanto, esse espaço, ele está livre também. Ele nos acompanha. Quando nós estamos meditando, é isso que nós estamos praticando, né?
Quando nós estamos nos aproximando da morte, é a mesma coisa, né? A gente pode não acreditar, mas agora sim a realidade se apertou e vocês, de novo, enquanto estão respirando, (risos - Lama novamente inspira e expira) vocês vão contando: “Agora eu acho que são as últimas mil.” (risos) “Mais uma...” Aí, tem esse espaço atrás, né? Vejam esse espaço atrás. E quando morreu, aí aparece o além, e você diz: “Esse além também... Fajuto! Samsara.” Aí vocês respiram no além também, assim... (Lama inspira e expira com força) Sim, porquê, no sonho a gente não caminha? Não anda? Pode respirar também... No além também, a gente vai respirar; aí vocês  tem isso que está livre, assim.  Aí aparece aquele ser terrível, a ex-esposa. (risos) Aí você: “Você era uma fraude em vida e aqui também.” Respira.
Aí nós guardamos esse estado, quando a gente diz, Seis Bardos, esse estado atravessa os Seis Bardos. Ou os Seis Bardos não perturbam esse estado.

[Prajnaparamita]
Se tem alguma coisa que se mantém em vida e morte, é isso. Aí de novo, vocês pensam: “E o que é que eu vou fazer com isso? Vou usar Sambogakaya, vou usar as Inteligências de Sambogakaya e atrás da Inteligência de Sambogakaya está Prajnaparamita: Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha.” Nós vamos praticar isso, ou seja, nós retornamos ao silêncio e olhamos as coisas e vemos como elas se movimentam, como elas ganham sentido.
Bonito isso, como é que aquilo tudo ganha sentido ali.  As coisas não tem um sentido amplo, elas ganham sentido dentro das bolhas de realidade, como um filme, tem sentido ali dentro, e aquilo não vem do que nós vemos, aquilo vem… A gente nem está vendo direito, aquilo é o nosso mundo interno aflorando por cima dos riscos e imagens e sons que aparecem. Isso é compreensão da vacuidade, né? A vacuidade aparece na forma, na aparência das coisas, aí nós estamos no meio disso. Isso é Prajnaparamita, a compreensão disso. Aí vocês se divirtam, sentem no cantinho da festa e: “Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha.” E aí: “Quer um champanhe?” “Sim!” E: “Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha” (Lama finge segurar uma taça de champanhe). É assim, serenos.  (Lama finge beber o champanhe e continua com o mantra) (risos) Prajnaparamita.

[Guru Rinpoche]
Aí tem Guru Rinpoche. Guru Rinpoche também, perigo verdadeiro. E o Guru Rinpoche, vocês vejam, ele tem aquilo que a gente chama de Intenção Iluminada, né?  É como ocorre nesses vários Lungs, né? Essas várias Inteligências, todas elas tem. Sambhokagaya tem um Lung. Vocês olham com compaixão os outros seres e brota uma energia em vocês. Não é só o olhar, é que a energia está ali. Então cada uma dessas Inteligências tem uma energia de ativação. O olho brilha, respiração vem e a gente vai seguindo com compaixão, com amor, com alegria, olhando os outros e os entendendo no mundo e vendo Sabedoria da Igualdade, Sabedoria Discriminativa, tem uma energia de ativação operando ali. Guru Rinpoche é aquele que olha o mundo e se interessa pelas pessoas, e se dedica às coisas melhorarem.
Aí Chagdud Tulku Rinpoche, meu mestre, quando foi lá no sul, apareceram muitos seres místicos pra olhar ele, né? Pra entrevistá-lo, delegações de espíritas, gente de outras tradições religiosas, foram perguntar pra ele. E lembro que algumas pessoas diziam isso: “Rinpoche eu vejo um portal de luz aqui.” E Rinponche: “Ah, eu não vejo nada mas, tudo bem.” (risos) E eles começavam a insistir, assim, né?  Aí surgiu a ideia de que a Califórnia ia afundar. Porque o Rinpoche estava na Califórnia e tem aquela falha de Santo André, né? Aí se o mestre vem é porque ele tá escapando e aquilo vai afundar, com certeza, né? Tá escapando de lá vindo pro Brasil... Aí, lá pelas tantas, o Rinpoche resolveu explicar... “Eu não estou vindo porque eu estou achando que aqui é um bom lugar, não é isso... Não é isso. Eu estou vindo porque eu penso que aqui eu posso trazer benefícios.”
Então isso é a posição de um Bodisatva. Isso é com Guru Rinpoche. Ele ficou 111 anos no Tibete, quando terminou aquele período, ele já tinha dado os ensinamentos, as pessoas já tinham ouvido, já tinham entendido, não praticavam direito, né? Porque afinal é assim. Aí tem a despedida dele, ele lascou todo mundo... Mas, ele fez o que ele tinha que fazer, ele deixou os ensinamentos e foi embora, não adianta ele ficar lá. Aí, Guru Rinpoche foi pra onde? Aí Guru Rinpoche foi pra Califórnia (risos), foi pra Austrália (risos), foi ser surfista? Não... O Guru Rinpoche foi pra Terra dos Demônios Canibais. Pense, um lugar piorzinho, assim, nunca mais se ouviu falar dele. Terra dos Demônios Canibais, eu não sei. Mas, o Guru Rinpoche foi pra esses lugares. É importante entender isso, os Bodisatvas eles são meio assim: onde é que você vai? “Agora eu vou lavar a louça!”
Ele tem energia, ele vai ajudar as coisas a andarem, então tem um movimento no mundo, eventualmente vocês vão sentir em vocês também, a vontade de beneficiar as pessoas, de criar Terra Pura, criar lugares favoráveis pras pessoas. Então, isso brota não como uma teoria, brota como uma energia, uma energia autônoma. Não é porque está tudo funcionando bem que a pessoa vai fazer isso. Não, a pessoa vai fazer isso porque isso é uma boa coisa a ser feita, né? Então isso é Guru Rinpoche, né? A energia dele.
Aí vocês vão olhando Sambhogakaya tem uma enorme riqueza. Qual é o sintoma de Sambhokagaya? Qual é a característica de Sambhokagaya? Quando nós descobrimos isso e o outro faz também, ele não perturba a banda, né? Ou seja, tem download pra todo mundo, pode conectar que aquilo funciona. Enquanto as coisas que pertencem ao mundo, se algum tem o outro perde. Se dois pegam cada um pega a metade. Se são três, é um terço. Sambhokagaya não. A gente pega inteira. É como a lua. A gente olha pro céu não está faltando nada, a lua inteira. Você admira que o outro também está vendo, não é? Porque nós estamos vendo inteira, a lua. Sambhogakaya é assim. Então o Buda aponta a lua no céu - você vê lá no cantinho da Roda da Vida - ele aponta a lua. Sambhokagaya. É assim. As Inteligências que estão acima, é muito importante entender isso. Isso é pós vacuidade. A gente entendeu vacuidade, aí tem a pós. Sempre tem a pós, né? A gente entende Sambhokagaya, então a gente usa isso, essas visões, elas são construções, elas vão construir o mundo a partir dessa energia.
Então desejo e apego? Não tem solução. Isso é o Samsara. Mas a nossa vida tem uma solução, a felicidade é possível, nós podemos andar bem no mundo, nós podemos ter boas relações com as pessoas, o mundo pode ser muito melhor. O mundo não é isso que nós estamos vendo, nós vemos o mundo a partir... É como alguém que tá olhando um desenho, como alguém que está olhando um cubo. Nós olhamos o mundo a partir dessas construções que nós temos dentro. Então, o mundo é mágico. O mundo, ele está disponível. As coisas podem ser muito melhores do que são. Agora, a gente olha com os olhos limitados, dentro da Roda da Vida, a partir de orgulho, inveja, desejo, apego, ignorância, raiva, rancor, ódio, medo... Desistência, aí... Aparece um mundo confuso, né?
As histórias de fim de ano, a gente se encontra e vai ouvir muitas coisas aí. Mas, às vezes, isso é muito comum, as pessoas relatam essas coisas, né? Quando a gente está dentro de uma festa dessa, a gente não consegue nem mesmo falar qualquer outra coisa que não seja aquilo. É bonito de ver: a gente fica paralisado. Aquelas bolhas de realidade, elas se estabelecem, mas, no mínimo, a gente lembra. Tem esse espaço livre, tem o ar fresco do lado de fora, tem o céu profundo do lado de fora, o céu está lá. Espero que todos vocês sobrevivam! (risos)

[Perguntas]
Eu acho que a gente tem alguns minutinhos pra alguma pergunta, ou algum protesto também. Uma adição.

Alguém fala:
- Festa de fim de ano, a gente sempre tem a perspectiva da vacuidade, mas também tem… Você tem o espaço da brincadeira, eu gostaria que o Lama falasse um pouco desse espaço que tem um ensinamento também.

Lama:
- É, isso é interessante, né? ou seja, a gente pode usar esses encontros de uma forma melhor, né? Não é isso? Sim, eu acho que a gente pode conviver, a gente brincar com isso, a gente pode ficar com essa postura cautelosa mas também é possível… Na perspectiva da igualdade, também é possível construir na mesma linguagem. E trocar afeto… Com certeza, é Chenrezig. Ele olha aquilo e se comove, né?
Com certeza. Essa inteligência de brincar, eu não sei qual é a idade. (risos) Essa é uma boa inteligência, né? Eu acho que é um lado bom de Prajnaparamita. A gente vai vendo a vacuidade e vai brincando com aquilo, né? Aquilo parece que vai produzindo todas as realidades e a gente vai girando com aquilo, né? Quando a gente ri de alguma coisa é que a gente viu de um jeito e depois viu de um outro jeito. Quando a gente quebra aquela visão, então a gente ri. Então é interessante a gente poder ver de outro jeito e quebrar aquilo e rir também das coisas, isso é bem bom. É uma boa coisa. Encontrar as pessoas e rir também um pouco, uns dos outros, né? Isso é uma boa coisa, das seriedades todas, né?
Eu lembro, tinha uma época em que eu viajava com a Sophia, minha filha pequena… Hoje ela está com vinte anos… Mas ela tinha de 10 a 8 ou de 10 a 12 quando ela viajava comigo. E, às vezes, eu chamava: “Ô Sophia, conta aquela!” E ela contava uma piada pra todo mundo. Aí, eu vou contar uma bem curtinha que ela contava.
É a história de um menino que não queria comer, aí eles chamaram o psicólogo e o psicólogo tentou produzir um tipo de tratamento, um tipo de abordagem e não funcionou. Chamaram outro e não funcionou. Chamaram outro e não funcionou. Aí teve, enfim, um lá que disse: “Eu resolvo! Isso é um assunto que eu resolvo! Não tem problema!” Aí, trouxeram a criança, e ele tentou várias coisas e a criança não comia, não tinha jeito. Aí, no fim ele se incomodou e disse: “Você diga alguma coisa! Alguma coisa você vai ter que comer! Diga o que é que eu vou trazer pra você!” Aí a criança olhou assim… “Minhoca ensopada!” (risos) Aí ele deu um sorriso de vitória… “Claro, agora você vai comer minhoca ensopada! Você pediu!” Ele deu um jeito, fez um crime ecológico, refogou as minhocas, ensopou aquilo e trouxe. Mas a criança era terrível, ele só dizia alguma coisa depois de chorar muito. Aí quando ele trouxe o ensopado de minhoca, a criança começou a chorar: “Uééééééé!” Aí o psicólogo falou: “O quê que foi agora?” Aí ele disse: “Eu não vou comer se você não comer também!” (risos) Aí o outro tava assim, possesso! Aí ele cortou, dividiu na metade: “Então, metade pra cada um!” E a criança: “Uéééééééééé!” E disse: “Você tem que comer primeiro!” (risos) E ele tava assim: croc, croc, croc (Lama faz barulho de homem comendo) Aí ele: “Uééééééééé!” E ele: “Que foi?” E a criança: “Você comeu a minha metade!” (risos)
É assim. Essa eu acho muito boa. Fez o outro comer as minhocas… Então, isso quebra, porque a gente ri, né? Porque a gente vinha pensando de um jeito e aquilo vira, né? E quando vira, vocês vão olhando as caras todas são assim, né? Tem uma energia intensa, aí depois aquilo vira. E a gente ri.
É super importante, né? então a gente está no meio das nossas coisas super difíceis, é como aquilo: Puxou a arma e (Lama faz barulho de esguicho), pronto o outro riu, né? Primeiro levou um susto, né? E depois riu. Aí, pronto. Liquidou. A bolha desaparece, surge uma outra coisa.
Então é isso, nós vamos fazer dedicação e vamos nos despedir.
Que os méritos desse encontro se expandam e toquem a todos. Que o mestre universal da paz e da compaixão, Sua santidade o Dalai Lama, juntamente com todos os mestres de todas as tradições que veiculam esta mensagem, tenham longa vida. Que todos estejam a salvo de gerar pensamentos negativos, o obstáculo mais destrutivo. Que estes pensamentos nunca surjam em nossa mente e que todos os seres também estejam livres de pensamentos negativos.

Então, obrigado. Alegria de reencontrá-los. Obrigado.