terça-feira, 24 de março de 2015

Relações, apego, família no Natal, meditação e cinco sabedorias - Lama Padma Samten (transcrição)

CEBB – Centro De Estudos Budistas Bodisatva
Relações, apego, família no Natal, meditação e cinco sabedorias
Lama Padma Samten
( Para o Ação Nalanda, mandala de transcrição do CEBB )


Local: São Paulo, dia 19 de dezembro de 2013
Transcrição: Ellen Meireles
Revisão: Fabio Rocha (2015)

[Foco na respiração – sem esperança e sem medo]
Eu queria iniciar comentando um tipo de meditação que pode ser muito interessante para introduzir um tema profundo e, muitas vezes, difícil de explicar. Eu recentemente vi um ensinamento do Mestre Dogen, o Genjōkōan, que é como se fosse o principal ensinamento do Mestre, que é o fundador do Soto Zen, e tem um comentário do Shunryu Suzuki, que é um grande Mestre Zen também. Eu achei aquele comentário tão interessante, aquilo tão curto e direto que eu queria trazer pra vocês. Esse é o início da minha abordagem do tema, eu não estou fugindo do tema. O nosso tema... Eu estava até perguntando pro Gustavo, se a gente tem que dizer que tem solução ou que não tem solução, não é? E o Gustavo disse: “É que não tem solução”. Foi a sugestão dele, então vocês já sabem aonde é que a coisa vai, né? (risos) Esse ensinamento é muito interessante, ele diz... Acho que todo mundo já fez prática de meditação focando na respiração... Aquilo, de um modo geral, é o início, todo mundo ouve... Só que, mesmo esse ensinamento, tão de início, pode ser utilizado como um ensinamento de topo.
Então... O Mestre Dogen, ele vai dizer pra você, que a única prática que você tem é inspirar e expirar, nada mais. É por que eles não gostam, especialmente no Zen, eles não gostam de primeiro expor um teoria pra depois a gente verificar. Mas aqui é o que eu faço, não é? Eu sempre exponho uma teoria e depois a gente vai olhando, então... Subvertendo o ensinamento, não é?
Antes de convidar vocês pra inspirar e expirar, eu vou falando da teoria, eu vou explicando tudo, eu vou estragando o ensinamento... (risos) Porque Koan não se pode explicar, mas aqui pode (risos). É muito interessante. Então, ele diz:
- Você, inspire e expire. Só isso. A prática da moralidade é inspirar e expirar. A prática da lucidez é inspirar e expirar.
A gente fica com uma cara, assim, meio estranha, né? (Lama inspira e expira). Aliás, a gente tem inspirado e expirado desde sempre e não tem acontecido nada, não é? (risos) Se é pra ter ainda alguma esperança... E ele vai dizer:
- Sem esperança e sem medo!
(risos) Bá, então eu não sei o que fazer mas, tudo bem, né? Só inspirar, não? Mas é que é muito interessante esse processo, a gente senta assim (Lama inspira e expira) e eventualmente você conta, né? Mas sem esperança. Chegar a um milhão também não é nada, é a mesma coisa. (risos) É melhor contar assim: um, (inspira e expira) um, um, um. (risos) Cada um é um, né? (risos) É só o um e pronto, né? Não é o dois, assim, né? (risos) Isso é super profundo, sabe? A gente diz: dois. Isso é uma fraude. Porque a primeira respiração é diferente da segunda, como é que a gente vai dizer dois, três?  Como se todos fossem iguais? Não é. Então é sempre um. (Lama inspira e expira) Mas aí é assim, a vida é...

[Foco na respiração – algo parado atemporal e inafetável]
Estão respirando, né? Aí lá pelas tantas, a pessoa descobre que esse inspirar e expirar é um movimento incessante, como o próprio Samsara, as coisas se movem incessantemente. Por outro lado tem algo parado que está além da respiração, que está além dos movimentos. É esse que é o ponto, e nós vamos descobrir isso, isso que está parado além do movimento.
Agora, se a gente levar um pouquinho adiante, vocês vão perceber, nós estamos olhando assim, pra frente. E vai ter quase como... A gente tem um campo visual, né? O campo visual é como se a gente estivesse inspirando e expirando, é a mesma coisa. O campo visual também se move o tempo todo, mas tem algo parado que está sempre parado não importa qual o campo visual, ele está lá.
Esse é o ponto mais importante. Quando a gente vai fazer uma prática de inspirar e expirar, o que nós estamos querendo encontrar é aquilo que não se move, além da inspiração e expiração. Se a gente olhar ao longo do tempo, aquilo que não se move também não envelhece, é não causal, ele não é produzido por alguma coisa que venha daqui pra lá, então aquilo aparece. Não. Não causal. Portanto, não temporal. Portanto, não afetável pelas circunstâncias. Então, isso é super importante.  E esse é o primeiro ponto, né?
Nós precisamos ter um pouco dessa inspiração e expiração pra poder depois lidar com desejos e apegos e circunstâncias todas do cotidiano. Se a gente, por exemplo, lidar com desejos e apegos no meio dos desejos e apegos, respondendo de forma automática no meio de tudo isso, nós vamos ter um tipo de raciocínio, um tipo de visão. Se nós contemplarmos os desejos e apegos e as flutuações todas a partir desse ponto estável, isso é muito diferente.
É parecido assim, por exemplo, vocês estão numa crise... Eventualmente pode acontecer, pra um ou outro, né? (risos) Uma crise... Aí vocês perguntam: “E as estrelas lá em cima, o que elas diriam da minha crise?” Aí aquilo, dá um distanciamento, né? É um nada, né? É um nada.
Outro dia eu recebi um e-mail, também de um praticante, e ele dizia. Eu já não lembro bem dos nomes mas: “Se a terra é um centímetro, o sol é um metro. E agora descobriram uma estrela que é 2,5 quilômetros, a proporção, né?” E a gente pergunta: “E essa estrela, o que diria dos meus problemas?” Uma coisa assim, né? Aquilo é um nada, né? Mas quando nós estamos dentro desse universo que está se movendo e nós estamos reagindo dentro daquela bolha de realidade, aquilo faz um enorme sentido.

[Cinema]
Que é uma coisa muito parecida com a gente ir ao cinema e entrar no filme, a gente começar a reagir a partir das imagens e dos sons. Nós entramos num tipo de bolha de realidade e a gente tem emoções... Os homens não choram, mas as mulheres às vezes até choram nos filmes... (risos)
Aí a pessoa se emociona com aquilo, e às vezes ela sai do cinema ainda na bolha do filme. Ela olha todas as mulheres como seres terríveis, por exemplo... Pode acontecer assim. Aí a pessoa está presa dentro de uma bolha de realidade, ela não percebe isso, ela não tem a capacidade de retornar ao ponto estável e olhar com lucidez o que está acontecendo. Lucidez significa olhar de forma não causal, de forma livre. É construção, é ver como tudo aquilo se estabelece.
Então, eu achei muito interessante essa descrição do Mestre Dogen, essa profundidade de uma meditação super simples, e é a primeira, né? Você senta e (Lama inspira e expira)... Aliás, não precisa nem dizer: “Respire!” É sente, apenas. Respirar vem, né?

[Bolha, Namoro e Apego]
Então aqui, por exemplo, quando nós estamos olhando desejo e apego de um modo geral, não estamos nos referindo àquilo que acontece dentro das bolhas de realidade, aquilo fica muito denso. Essa noção de bolha eu acho muito útil, porque nós podemos perceber que nossos desejos e apegos, eles também flutuam, né? Isso é incrível, a gente tem, eu acho que todo mundo... Eu não sei se alguém teve mais de um namorado ou namorada... Todo mundo tem essa experiência... Todos que tiveram essa aventura ou desventura, né?  Já viram o que significa apego, né? Aquilo fica super apegado, né? “O que aquele ser estaria fazendo agora?” “Aqui está silencioso, faz meia hora que ele não telefona para mim...” “O que ele estaria fazendo, né?” (risos) Agora com esses celulares que a gente pode rastrear onde é que está a pessoa, né?  A gente vai lá e dá uma olhada assim: Onde é que anda o ser, né? (risos) E dependendo de quem for a gente pode ativar isso sem que a pessoa saiba, né? (risos) E aquilo fica mais interessante, a gente pega o celular do outro e a gente ativa aquilo e: “Onde é que você andou hoje? E a gente fica olhando assim...” (Lama olha pra mão “segurando um celular”) “Onde está você?” “Ah... Eu estou na casa da minha mãe...” (Lama olha pra mão “segurando um celular”) “Com certeza, sua mãe agora está morando em outro bairro, né?” (risos)
Mas aí tem essa dimensão de desejo e apego muito intenso, né? É muito interessante isso, porque passa um tempo, pode ser que devido às circunstâncias da vida, a pessoa não queira nem saber o que está acontecendo com o outro, né? É assim. E como explicar? O outro deixou de ser? O quê que aconteceu? Aquilo, os genes estão iguais… Se tirar uma fotografia, tá tudo igual. Por alguma razão a gente já não tem aquela conexão.
Então, o desejo e apego necessitam de uma bolha de realidade. O Budismo trabalha muito com isso; quando a gente está recitando o mantra do Sutra do Coração: Gate Gate Paragate Parasamgate Bodhi Svaha, está lembrando isso, né? Ou seja, lembrando como as realidades se configuram.
O meu Mestre, Chagdud Tulku Rinpoche,  dizia: É mais fácil nós entendermos a vacuidade na forma do que na negação da forma. Quando nós olhamos as bolhas de realidade, elas dando sentido pras nossas emoções, pro nosso raciocínio, pras nossas decisões, pro nosso sofrimento, pras nossas alegrias, a gente vê que aquilo se estabelece, depois flutua e pode perder o sentido. Então, se nós avaliarmos como aquilo se estabelece, a gente vê que aquilo se estabelece a partir de uma bolha de realidade que surge e nós operamos com isso.
A gente pode até em diferentes partes do dia ter diferentes tipos de desejos e apegos, né? Por exemplo, a pessoa tem uma vida familiar e quando vai pro trabalho, a pessoa tem outras regiões de desejo e apego ligados ao trabalho. Ela tem outros conflitos. Quando a pessoa tá em casa, as aflições do trabalho talvez penetrem, talvez não penetrem. A pessoa precisa trocar de contexto, ou seja, trocar de paisagem, trocar de bolha de realidade, pra aquilo tudo funcionar. Não se trata simplesmente de algo da mente, não é um raciocínio. É um envoltório que dá significado aos nossos raciocínios, às nossas emoções. É um envoltório que não precisa estar consciente, ele opera sem a necessidade de estar consciente, é uma bolha de realidade. Como os cientistas, ou como nós no cotidiano...
Eu gosto desse exemplo, é um exemplo já antigo, né? A gente olha pro sol e imagina que o sol se levanta e se põe, que se levante a leste e se põe a oeste. Isso é uma bolha de realidade. A gente vê com os olhos, né? É como também, a gente olhando riscos e vendo cubos, olhando riscos e vendo pessoas. Isso na arte é muito interessante. Tem esse livro, desenhando com o lado direito do cérebro, ele trabalha com essa questão, ou seja, como que nós podemos melhorar muito o nosso desenho se a gente olhar o desenho e não as imagens internas que brotam quando nós desenhamos. Quando a gente vai fazer um desenho é melhor olhar o risco que está ali, o risco, a sombra, as cores, as formas... Mas nós não olhamos isso, a gente vê as pessoas, as árvores, as paisagens... Aí nós não conseguimos desenhar direito porque nós misturamos o que nós estamos vendo com imagens internas. Então se vocês quiserem, por exemplo, fazer um teste disso, ver isso acontecendo, vocês experimentem olhar uma imagem e tentar reproduzir as cores, as formas, como aquilo está.
Tem um exercício interessante que é botar a imagem de ponta cabeça, porque a gente não vê direito, não consegue associar direito o mundo interno com aquilo, né? Aquilo fica meio assim (Lama faz careta). Então depois a gente tenta reproduzir os riscos, as sombras, as cores, as formas que a gente tá vendo. Aí depois vocês viram (ao contrário, pois estava de ponta cabeça) e vocês vão se admirar que vocês tão desenhando super bem. Simplesmente porque nós somos capazes de reproduzir os círculos, as formas, os riscos, as cores e as sombras, nós somos capazes de fazer isso, mas não quando a gente não consegue ver isso. Por exemplo, você olha para o rosto de uma pessoa querida, olha para o rosto de um filho, a gente não vê sombras, riscos, proporções, formas, a gente não vê nada disso. A gente vê alguma coisa reagindo dentro de nós. Então, essas são as estruturas, o que acontece. Agora, se a gente coloca, inspira e expira, inspira e expira, está dentro dessa região livre, então mais facilmente podemos olhar os riscos e reproduzir os riscos. Aí, depois a gente vira e vai descobrir que a gente aprendeu a desenhar. Repentinamente, né? Aí quando vocês chegarem em casa, vão perguntar:
- O que o Lama falou hoje?
- O Lama ensinou a desenhar, (risos) olha aqui ó! (Lama mostra desenho invisível na palma da mão). (risos)
- Mas como é que ele fez? Ele pegou papel, lápis...
- Não, não. Ele só explicou.
- Só explicou e funcionou?
Então é a questão do olhar, né? Como olhar, como ver. Se a gente consegue ver melhor, a gente consegue funcionar melhor. Tem esses exemplos interessantes que conectam com esses mundos internos, então nós temos essas bolhas de realidade, mesmo que a gente vá olhar um desenho, vai olhar uma imagem, uma foto, a gente não vê o que tá ali. A gente vê tudo misturado com esse mundo interno.

[Meditação como liberdade das bolhas]
Por isso é super importante a prática da meditação, como um aspecto de liberdade, nós trabalhamos  com essa liberdade. Também com relação às coisas que a gente precisa fazer, o movimento da nossa vida, é muito útil que a gente pratique a meditação em silêncio, no qual nós temos esse espaço de liberdade. Quando vocês estiverem diante de situações difíceis, vocês pratiquem isso... Nós sentamos desse modo, olhamos aquilo a partir dessa liberdade, aí outras ideias virão; vocês vão imediatamente lembrar que - enquanto vocês estavam envolvidos naquilo diretamente - as ideias eram muito limitadas. Agora, quando vocês recuam, vocês tem outras imagens. Isso é super importante.
Agora, eu aconselharia até que vocês fizessem esse exercício especialmente quando as coisas estiverem indo bem, porque quando as coisas estão indo bem, não quer dizer que elas estão indo bem. Pode ser que elas pareçam que estão indo bem... De modo geral a gente entra nos piores lugares quando as coisas parecem que estão indo bem. Porque, por exemplo, se vocês estão diante de alguma coisa que diz: “Cuidado, perigo! Aqui é a região de problema!“ Aí vocês param. Mas as coisas que nos enganam elas tem uma outra placa na frente, é assim: “Felicidade ilimitada! Você encontrou o Ser Maravilhoso!” Né? É assim: “Sou eu!” Alguma coisa assim, aquilo está ali, aí está tudo funcionando bem... Então, essa é a hora do perigo. Aí vocês parem e deem uma olhada. Eu não quero deixar ninguém desconfiado.. Não quero criar nada. (risos) Também, aí de noite vocês façam o teste, às duas da manhã vocês sentam, aí dão uma olhada. (Lama olha pro lado) Aí inspiram e expiram serenos, recuem pra esse lugar que está no infinito, e deem uma olhada no ser. Aí vocês vão ver a finitude do ser. Se aquilo resistir... Aí, estamos indo bem. (risos)

[Energias que nos movem]
Então, esse é o ponto, né? Quando vocês forem comprar alguma coisa... Eu acho maravilhoso, agora, época de natal, vocês vão ao shopping, chegam na vitrine e: “Oh! Que bom!” Aí, façam o exercício: “Oh, não... Aí correm pra lá.” (pra longe) (risos) Vocês vão agradecer ao Lama, (risos) a conta bancária vai, ó (Lama faz gesto de “subir” com a mão) (risos). Meditação é ótimo, não gasta nada. Agora, desde esse ponto silencioso, aí vocês começam a observar como é que os objetos se relacionam conosco ou como é que a gente se relaciona com os objetos. De qualquer nível, objetos abstratos, concretos... De modo geral, o que acontece é o que está descrito na Roda da Vida, bem no centro, no coração da Roda da Vida. No coração do Prajnaparamita tem o coração da Roda da Vida, aí eles se conectam. E o coração da Roda da Vida é o fato de que operamos dentro de uma bolha e essa bolha se estabelece devido ao fato de que os objetos, eles não são conceitos, eles são energias que nos movem. Os objetos - sejam eles quais forem... Ou as aparências.
Hoje nós olhamos alguma coisa, por exemplo, se nós olhamos uma paisagem, a gente não tá vendo os riscos, as formas, as cores, nós estamos vendo as emoções que surgem em nós. Quando a gente olha uma foto de alguém querido, ou até mesmo do chefe - que não é querido, no caso. (risos) A gente olha a foto de alguém, nós não estamos olhando os riscos, as sombras, nós estamos olhando o conteúdo interno que brota. E esse conteúdo interno, se ele faz nosso olho brilhar, ele faz brotar uma energia em nós e nós dizemos: “Eu gosto dessa pessoa.” Se, por exemplo, depois de um tempo a gente olha pra pessoa e lembra que não pagou a pensão do mês, aí a energia é outra. Mas a foto é a mesma, a foto vem desde momentos anteriores, aquela foto foi usada de muitos modos, agora ela tá ali pra gente lembrar das coisas perigosas da vida (risos). Nós estamos olhando aquela foto, qual é o conteúdo? O conteúdo, ele está ligado à emoção... O conteúdo mesmo da foto pode mudar. É incrível isso, né? A gente pode olhar pra uma foto e dizer: “Que ser maravilhoso!” Passa um tempo a gente olha pra mesma foto: “Eu não sei como eu achei esse ser lindo, maravilhoso. Eu não sei como... Isso foi um engano!” Por que? Porque a gente não olha a forma, a gente olha a emoção, olha o brilho que brota em nós, isso é o que acontece. E nós olhamos e aspiramos que o brilho esteja presente, então a sensação de felicidade, a sensação de bem-estar, ela está ligada com esse processo interno. Aí nós, nesse momento, no Samsara especialmente, nesse momento especial do Samsara como ele está desenhado hoje, nós temos uma conexão muito especial com essa experiência de olhar pras coisas e manifestar energia. Nós estamos muito dependentes disso.
Nós passamos muito tempo das nossas vidas organizando coisas, ou adquirindo coisas, ou colocando coisas perto de tal modo que elas façam nosso olho brilhar. Então o Samsara tem esse software, é assim que opera a nossa mente. Agora, pra gente descobrir isso a gente tem que acordar às duas da manhã (Lama faz careta de que está acordando) a gente no meio do sono, no meio do sonho... A gente acorda e começa a olhar o significado das coisas, ou então, meditar mesmo. Ver o quê que acontece quando a gente olha pras coisas, qual o sentido que as coisas ganham pra nós, como é que elas funcionam dentro, porque é que nós temos essa conexão ou não temos a conexão, aí nós vamos ver o sentido da palavra energia, a energia que nos move.
Essa palavra é justa porque ela impulsiona nossa ação. Aquilo que a gente acha favorável, a gente tem um impulso em direção aquilo, se nós não temos uma relação favorável a gente tem uma reação. Isso no budismo é chamado de Vedana. A gente tem essa conexão, ela não é uma conexão verbal, conceitual, é uma conexão de energia.

[12 elos]
Então, de um modo geral, as nossas vidas são um esforço incessante de nos aproximarmos daquilo que movimenta energia e nos afastarmos daquilo que nos afeta (negativamente). Isso daí está bem estruturado, bem explicado no conjunto de ensinamentos que o Buda deu logo depois da iluminação dele, ele percebeu isso. Isso é chamado dos 12 Elos da Originação Dependente.
Ele explica isso. Nós olhamos pros objetos e não é o conceito, é o movimento que aquilo produz, ele produz atração ou aversão. Na sequência, baseado nesse movimento, nós tomamos decisões, aí surge desejo e apego. Aquilo que produz essa energia nós queremos. O que não produz, nós rejeitamos. O que produz energia contrária nós rejeitamos.

[Insatisfatoriedade]
E nós estamos presos dentro disso, agora o Buda percebeu, desde esse estado livre, ele olhou pras coisas e ele viu, por exemplo, que num certo momento nós podemos ter uma conexão com algumas coisas, mas essa conexão é insatisfatória. Ela tem uma insatisfatoriedade dentro. Significa o quê? Que por um tempo nós temos essa conexão, pode ser que mais adiante aquilo se desgaste. É como alguém que colocou papel de parede na casa, ou numa parede da casa. Daqui a pouco a pessoa não está mais aguentando aquele papel  de parede. Ou uma pessoa que botou um quadro na sala. Daqui a pouco a pessoa não está mais aguentando aquele quadro.
Eu me lembro, meu pai tinha uma fotografia do Stalin na parede (risos) aquilo era uma fotografia super interessante porque eu, criança, chegava, olhava pra ele e ele estava olhando pra mim. Eu ia caminhando e ele continuava olhando pra mim, eu entrava pela outra porta, ele continuava olhando pra mim, eu achava ele meio... Ele sabia todos os meus pensamentos! Sabia que eu não estava com bons pensamentos! (risos) Então, tem coisas que a gente coloca e depois tira, né? (risos) Isso é insatisfatoriedade. Na vida, inevitavelmente nós temos isso.
Eu acho bonito, tem muitos exemplos. A pessoa passa no vestibular e depois de seis meses abandona o curso. Tem situações mais graves: a pessoa termina medicina e faz o estágio final, como chama? Residência, não é? Aí desiste daquilo. Então, essas coisas são graves, super graves. Coisa de insatisfatoriedade. Hoje eu não estou, como vocês veem, pensando na coisa das relações de casal, né? Mas é tudo a mesma coisa.  Aí a pessoa tem uma esposa... E, aliás, lutou duramente pra ter essa esposa. E a insatisfatoriedade - grrrrrrrr (Lama faz gesto de cortar o pescoço com a mão) - pode afetar isso. Lá pelas tantas, a pessoa pensa que o problema é justamente aquele ser. Isso acontece, mesmo pra budistas... (risos) Insatisfatoriedade.

[Impermanência]
Se fosse só isso, né? Mas aí tem: Impermanência! Aquele Ser maravilhoso é impermanente. Melhor entender isso. Melhor entender: os seres vem e vão.
A melhor história que eu conheço disso eu já contei também, mas essa história é tão boa, é assim: Eles eram… Ele era artista. Eu não me lembro o nome deles, não me lembro quem eram eles, mas, eram dois amigos e um deles tinha uma esposa, muito linda. É que a esposa, já que eles eram muito amigos, se transferiu de amigo (risos). Aí aquilo não ficou bem, né? (risos) Não ficou direito aquilo, né? (risos) Aí o outro amigo não sabia o que fazer porque ele tinha perdido a esposa e o amigo, e aquilo ficou mal… Aí, teve um dia em que ele bateu lá na porta deles. Quando apareceu o ex-amigo, ele puxou uma arma e pá! Era uma arma de água: pffff (Lama faz barulho de esguicho), ele pfff! E outro levou aquele susto, né? Aí eles ficaram amigos de novo ali. Ele perdeu só a esposa. (risos) Então, é interessante isso... Aí, muda a bolha. Aquilo mudou, né?
Então é um aspecto... A realidade tem esse teor… Lá no Sul diriam: dois amigos nunca brigariam por causa de uma mulher, né? Mas eu acho que brigariam sim. (risos) Abre o jornal e tá todo mundo se matando por isso... Mas tem esse aspecto, a gente poderia dizer que quem respirar um certo numero de vezes não vai matar o outro. A pessoa respira e entende esse espaço. Ela olha e ela não tem essa conexão, nela não vai brotar esse tipo de perturbação.

[Sofrimento e lucidez]
Aqui nós temos a impermanência, a insatisfatoriedade, mas aí há um terceiro aspecto que o Buda descreve que é o sofrimento. Então, a arte do sofrimento é vasta. Ou seja, conexões que a gente desenvolveu. E essas conexões foram por desejo e apego. E elas produziram sofrimento. Isso é inevitável, nós temos muitos exemplos disso. No entanto, nós podemos também sair disso desde que a gente use essa consciência estável.
Nós não precisamos ter aquele sofrimento. O sofrimento se dá quando nós estamos imersos naquela bolha de realidade. Então, o Samsara, ele é justamente essa imersão num conjunto de significados que movem a energia e eles não vem como raciocínio, eles surgem como imagens diante de nós. O exemplo mais claro das imagens é justamente esse que vem do desenho mesmo, né? Como um cubo, que a gente risca e vê um cubo, em 3D. Desenha em 2D, em duas dimensões e o cubo tá em 3D. Esse desenho do cubo é muito interessante, porque é 3D. O quadrado da frente não está no mesmo plano que o quadrado do fundo, aí a gente pode perguntar: agora deixa eu olhar bem... Eu estou olhando. Será que é o quadrado da frente que está no papel ou é o quadrado de trás que está no papel? A gente não consegue localizar, porque quando a gente vê o cubo, a gente perde o papel, perde o plano. Aquilo acontece nos nossos olhos. Então vocês veem que nós temos a capacidade de introduzir uma terceira dimensão nas coisas. Aí em torno de uma quarta, uma quinta, uma sexta é fácil... Todas as dimensões. Por quê? Porque a gente não olha pras coisas, a gente olha internamente. Aquilo é apenas um acionador das características internas que representa perfeitamente a bolha de realidade em que nós estamos imersos.
Eu prefiro falar como bolha de realidade e não como realidades. Porque “realidades” parece que elas são concretas, elas são lógicas. E essas realidades não são lógicas. As bolhas não são lógicas, elas apenas operam, elas dão movimento a nossa energia e elas parecem completamente concretas. Então isso conecta com a meditação. A meditação nos permite gerar essa lucidez. Essa lucidez nos permite atravessar os Seis Bardos, ou Cinco Bardos, dependendo de como a gente conta. Ela nos permite atravessar o Bardo da Vida, aquilo que estamos vivendo aqui, aquilo que parece denso, a gente olha… O campo visual. A gente não está olhando atrás, a gente está olhando à frente. Quando a gente olha à frente, a gente esquece atrás. Nós reagimos a isso. Essa reação, ela movimenta a nossa energia, não é um conjunto de ideias, é um conjunto de energias. A gente vai olhando e objeto por objeto ele produz um movimento na nossa energia. A gente olha esse campo, nós podemos olhar esse campo do lado de dentro, buscando aproximar o que aciona nossa energia e rejeitar o que afasta... Isso é o movimento usual do Samsara. Isso é a nossa vida inteira.  Se a gente explicar, é nossas vidas todas anteriores, a gente só fez isso. Isso é o Samsara.
Agora nós podemos, olhando isso, gerar uma lucidez diante disso. Isso é o que o Buda irá propor, que a gente pratique a meditação e gere uma lucidez diante do Samsara, esse tipo de lucidez diante da Roda da Vida. Caso contrário nós somos como equilibristas, sempre buscando alguma coisa. Se a gente olhar a sociedade como um todo, nós vemos as pessoas incessantemente buscando situações, propriedades, objetos, que possam movimentar energia. Aí, o objeto desgasta, porque a insatisfatoriedade existe. A pessoa leva pro brechó, ou aquilo vai pra reciclagem, pra uma ressignificação, e nós estamos ressignificando tudo. Nós estamos dentro da Impermanência, tudo mudando o tempo todo.
Então, desejo e apego é quando nós manifestamos essa dependência; mas nós podemos viver de um outro modo (aí vem o ensinamento budista), não é apenas essa lucidez na frente.

[Sambhogakaya e Samsara]
Aí tem uma expressão no budismo que chama Sambhogakaya que é, por exemplo, quando nós sustentamos a energia por uma outra fonte que não os objetos à nossa frente, esse é o ponto, né? Existem muitas formas de nós fazermos isso, então depois de descobrir esse espaço livre nós podemos agora utilizar isso de uma forma melhor, e algumas pessoas podem, por exemplo, descobrir o que nós vamos chamar de Chenrezig que está associado ao mantra Om Mani Padme Hum.
Chenrezig significa: nós vamos olhar os outros seres e vamos entender que eles estão nesse lugar super difícil, eles estão super confusos, no meio disso, eles estão olhando pras coisas, brota uma energia, eles têm um impulso; é como quando a gente olha pras crianças: a gente olha pra eles e eles estão fazendo isso o tempo todo, eles olham e nem raciocinam, eles tchum (Lama faz barulho de explosão de energia) começam a reagir aos objetos, se gente mostrar uma outra coisa eles saem numa outra direção, é difícil, por exemplo, uma criança que está fazendo alguma coisa e a gente mostra uma outra coisa que a atrai, ele abandona aquilo e vai pro outro; ele não vai dizer: um momentinho, eu vou terminar aqui e depois eu vou praí; ele não vai dizer isso, ele vai direto.
A maior parte das pessoas, quase a totalidade dos seres é assim, se a gente entra na nossa própria casa, a gente pode perceber isso. Por quê? Porque a gente entra, olha a nossa casa, tem uma quantidade de coisas que são tarefas não concluídas que a gente deixou, deixou um sapato aqui, uma louça suja ali, uma geladeira aberta, o fogão… Alguma coisa. De vez em quando a gente deixa a água em cima do fogão, a chama acesa.. A gente esquece. A gente está fazendo uma coisa, surge uma outra coisa e a gente engata naquela outra, nós vamos reagindo às coisas, é difícil manter essa coisa estruturada, virginiana, com tudo direito, uma coisa depois da outra, “um momentinho”. Aí chega a namorada e você diz: “Um momento, que eu estou terminando esse relatório e já vou falar com você…” Aí a pessoa deixa a outra esperando uma meia hora ali. Conclui o relatório... Não dá né? Não tem condições... Então nós vamos deixando.
É como... Vocês estão na internet, né? Aí vocês olham alguma coisa, aí vão procurar uma outra e enquanto estão olhando essa coisa já esquecem da primeira, aí a gente fica zapiando literalmente, zapiando significa perdido, né? De um lado pro outro, ali.
Aí na nossa realidade a gente fica zapiando também, de um lado pro outro de acordo com as coisas. As crianças também, elas ficam assim. Uma coisa brilha, outra coisa brilha, nós vamos sacudindo de um lado pro outro. Então, esse é o Samsara, esse é o processo. Agora, na medida em que a gente descobre esse inspira e expira, inspira e expira; quinze anos depois, a gente descobre que tem alguma coisa estável, atrás.  Esse é o Zen, né? Mas aqui, a gente aprende na hora, não precisa nem ficar quinze anos.  Inspira e expira. Nem precisa inspirar e expirar é só pensar e ver o que acontece.

[Manifestando a própria energia]
Aí a gente descobre essa região livre. Aí nós podemos pensar: “Ok, então como é que eu vou me movimentar?” Aí nós vamos nos movimentar manifestando a própria energia, aí nós vamos primeiro gerar a energia, a gente mantém a energia estável de outra fonte, independente do que aconteça na frente. Aí nós nos aproximamos dos lugares onde nós vamos nos mover... A gente não está chegando nos lugares pra ver que energia vem de lá e se a energia não for boa a gente não anda, não. Primeiro gera a energia, aí nós andamos nos lugares. Uma das formas de sustentar a energia é Chenrezig, então a gente entende que as pessoas estão assim, que nossos filhos estão assim, os netos tão assim... Então, fazer o quê, né?

[Compaixão não é pena]
Aí nós olhamos e a gente pode pensar: “Ah, a chance deles é – ó – pequena. Até mesmo quem chegar pro filho e dizer: “Ó, eu vou lhe explicar uma coisa, agora você senta assim, inspira e expira, dá uma olhada e...” “Mamãe você está assim, perturbada, é melhor você inspirar e expirar que eu vou ter que tratar da minha vida, você fique aí tranquila.” Difícil, ninguém quer ouvir, as pessoas não ouvem, eu não sei como é que vocês estão aqui. (risos) Não sei o que aconteceu, né? Mas, tudo bem, né? (risos)
Se a gente pudesse passar isso, maravilhoso. Mas a gente não pode, né? Aí a gente não pode e diz: Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum (Lama faz gestual de passar as contas do mala).. É compaixão pelos seres. Compaixão não é desistência, é mais ou menos: “Me aguarde! Eu descubro um jeito...” Om Mani Padme Hum. Então, essa outra pessoa, ela tem essa natureza, ela tem essa capacidade, porque todos tem. Mas ela às vezes não tá usando isso.
Então compaixão não é pena, não é assim: a outra pessoa não tem solução. A outra pessoa, ela pode descobrir isso, mas ela não tá com vontade de ouvir, não tem como; eu não sei como vou transmitir isso pro outro, né?
Também a gente olha com amor, é Chenrezig, olhar com amor e a gente ver qualidades no outro, a gente ver coisas boas, quando a gente está olhando as crianças a gente está olhando coisas boas nelas, qualidades nelas, e a gente tenta estabelecer relações com essas qualidades pra que mais adiante a pessoa também possa descobrir outras coisas profundas dentro de si.
Se, no mínimo, nós mantivermos uma conexão com a pessoa, isso é uma boa coisa. E chega um tempo em que a pessoa entende. Então, é só paciência, né? Aí, aquilo vai indo. Então o mantra Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum, Om Mani Padme Hum. Ele é o mantra disso, quando nós chegamos diante dos outros a gente não pensa que o outro é favorável ou desfavorável; então como o outro estiver, não é o que vai afetar nossa energia, nossa energia tem uma fonte própria, não tá dependendo do que a gente vê, ou da impressão que brota de dentro quando eu o vejo, não é isso, a nossa energia é uma energia estável; aí quando nós chegamos, a nossa energia não vai se perturbar pelo que está se apresentando ali. Isso é super importante, isso é o início do processo de nós liberarmos o nosso movimento, do software de ficar na dependência, isso é crucial, pessoal.

[Inteligências Sambogakaya]
Aí tu tem uma série de sugestões, e todas essas inteligências que nós podemos utilizar, nós vamos chamar de Inteligências Sambogakaya, que elas não são Inteligências nossas, são um aspecto milagroso, do mesmo modo que esse silêncio atrás não é nosso. A gente usa esse silêncio mas isso não desgasta esse silêncio.. Aí o outro pode, o outro pode, o outro pode… Compaixão e amor também, a gente pode, o outro pode, o outro pode. A gente não é como o wi-fi, por exemplo, se a gente disser pro amigo o código, a senha, daqui a pouco a banda tá sobrecarregada, né? É que a banda da compaixão, do amor e do silêncio não sobrecarrega... Aquilo é um wi-fi dos Budas, é uma outra coisa... (risos) Uma banda infinita!  Você senta lá, todo mundo conectado, só aumenta... A gente suga a banda inteira... Não tem isso né?
É como, por exemplo, a luz da lua, no Zen também se fala nisso... Como a luz da lua, a pessoa vê a lua... Aquilo é meio difícil de entender, como é que a outra pessoa no outro estado tá olhando a mesma lua? E eu: como? A luz está vindo pra mim... Como é que está lá também?  Isso eu já não entendo... É assim, né? Uma luz séria ilumina num lugar, depois noutro lugar, depois noutro lugar (risos). Agora, tudo ao mesmo tempo? Hum...
Aquela luz da lua agrada todos os seres, né? Aí eu vejo assim também... Tem algumas pessoas que dizem: “Eu sou como a luz da lua, agrado todos os seres.” (risos) É assim, a pessoa descobre que o namorado é desse tipo, que nem a luz da lua... Agrada a todos os seres (risos), é uma compaixão infinita, é maravilhoso isso, né? (risos)
Mas aí se entende o que é Sambogakaya. Sambogakaya é isso, não é algo que é nosso. Por exemplo, se a gente tem alguma coisa, as nossas propriedades, as nossas coisas, que a gente diz que é nosso. É nosso e não é de outro, né? Eventualmente a gente compartilha, mas a luz da lua não tem esse problema. E Sambogakaya também não.  É uma característica desse tipo de inteligência que se a gente usa e outros usam não afeta, pode usar simultaneamente que não tem nenhum problema.  Já a namorada e o namorado, isso já não seria o caso. (risos) Aí vai dar problema... A gente vê, mas o amor, por exemplo, ele é amplo, eu não queria entrar nesses assuntos (risos) é meio complicado... E eu nem entendo muito bem disso...  Mas então a gente vai ver... O amor é uma coisa ampla, mas namorado é uma coisa estreita... É assim...
Então, Sambogakaya vai estar lá sempre disponível. Namorado já é uma outra coisa, especialmente, por exemplo, a conexão com os objetos de desejo e apego, que eu não  vou enumerar aqui. Nossa conexão com os objetos de desejo e apego, não são seguras. Às vezes funcionam, às vezes não funcionam. Tem um nível de insatisfatoriedade, enquanto que as conexões com o nível de inteligência Sambogakaya são sempre favoráveis.
Por exemplo, se vocês tiverem um amor universal assim, vão estar sempre disponível: compaixão, amor, etc. E especialmente a energia, ela está disponível, ela está presente. Então, a melhor coisa que podemos fazer no nosso funcionamento é manter a nossa mente - a nossa operação - conectada com uma energia de Sambogakaya. Uma Inteligência Sambogakaya, que não flutua. Aí onde vocês chegarem aquilo é benéfico.
Isso funciona também nas relações, por exemplo, vocês têm namorados ou namoradas... Namorado ou namorada - vamos fazer assim, no singular, e não no plural, né? Aí vocês tem essa relação, então se vocês esperarem que o outro sorria pra vocês terem proximidade,  isso é problema. Então é melhor vocês manifestarem compaixão e amor e estabelecerem essa relação com o outro. Isso permite que as relações, elas sejam para sempre. Elas não são relações que terminam, são relações pra sempre, mesmo que as pessoas não vivam mais juntas, estejam fisicamente separadas, as conexões práticas da vida tenham se desconectado, ainda assim nós podemos ter essa conexão de compaixão e amor a qualquer distância, assim. Então a gente não altera isso. Então é melhor desse modo, né? Então nós temos essa conexão favorável com o outro, cada pessoa que a gente encontra não é uma pessoa que a gente vire as costas. É uma conexão que não termina mais, a gente mantém aquilo, por quê? Porque ela independe de se as coisas estão indo bem ou estão indo mal, nós manifestamos uma energia autônoma, uma energia própria, então, esse é o ponto.

[Sabedoria do Espelho]
Então isso é o processo de nós usarmos Sambogakaya como um meio de andar na vida. Aí nós utilizamos dessa inteligência, e nós temos também a inteligência do Buda Akshobhya, a Sabedoria do Espelho, ela também está disponível pra download free, né? Não precisa nem ir na loja é “shoop” (Lama faz barulho de pegar no ar) acessar, né? Significa o quê? Nós entendermos os outros seres no mundo deles, isso é super útil, né?
Super útil, se vocês tem uma relação - a gente sempre tem relações com muitas pessoas, né? - Ou filhos, pai e mãe... Às vezes, a nossa fala não funciona. Quando ela não funciona, nossa comunicação não funciona por quê? Porque o outro está dentro de uma outra bolha, nós falamos alguma coisa a pessoa não entende, então é necessário que a gente entenda o outro no mundo dele. Ou seja, na bolha dele. Aí quando a gente fala dentro da bolha do outro, aquilo funciona. É simples.
Agora, final do ano, a gente vai ganhar presentes, essas coisas, né? Aí nós vamos ver se vocês estão sendo entendidos, né? Pai que ganha cueca, meia, gravata...  Aquilo não está funcionando, né? Criança que ganha caderno escolar, lápis, (risos) ninguém está entendendo, né? Ou cueca, calcinha... Hum. Tem algum problema aí, né? Panela de pressão, né? Dar pra mamãe uma panela de pressão, né? (risos) Se você não sabe o que dar pro outro, vocês vejam, a dificuldade é que a gente não consegue entrar bem no mundo do outro, se a gente conseguir entrar no mundo do outro, é mais fácil...
Então a gente logo vê isso, o porque da sabedoria do espelho, né? A sabedoria do Espelho é crucial para educadores, né? A gente tem os alunos, a gente quer passar aquilo pros alunos, a gente vai ser entendido ou não. Se a gente conseguir falar dentro do mundo do outro, ele te entende, ou se a gente conseguir puxar o outro pra dentro do nosso mundo, e falar, o outro entende. Os professores, eles tem essa habilidade de criar espaços e puxar os alunos pra dentro desses espaços onde então eles vão entender as coisas. A grande habilidade dos professores é propiciar a capacidade da pessoa sair do seu mundo estreito e entrar num mundo mais amplo, isso é super especial, os pais também, eles também vão fazer isso...
Então, nós temos esse desafio que é a Sabedoria do Espelho, agora vocês pensem: e os médicos? Quando eles olham pra nós, os cuidadores, os terapeutas, se eles não entenderem cada um de nós no nosso mundo, como é que eles vão nos ajudar? Super difícil. E os médicos, eles também, os terapeutas... Como os pais e os professores, eles olham as pessoas como as pessoas olham as imagens que vão desenhar. Eles não olham as imagens, eles olham o que brota da mente deles. Do mesmo modo que a gente olha o céu e vê o sol se levantando a leste e se pondo a oeste prova que... Olha lá... Lá é o leste, lá é o oeste... O sol se levantou e desceu. Então aquilo é obvio. Então, quando a pessoa pega um exame de laboratório e olha pra aquilo, ela também está vendo o sol se levantando e se pondo, ela pensa que não está interpretando, mas ela está interpretando. Está trazendo um desenho das imagens internas que ela aprendeu; outra pessoa olha aquilo, que tem outros conteúdos internos e vê outras coisas. É super importante que a gente consiga observar o mundo do outro; nessa área de saúde isso é crucial.. Uma forma de raciocinar é como que aquele conjunto de sintomas está ocorrendo, como é que ele surge? Aquilo não é uma doença que agregou, não é que a pessoa levou um tiro, não é isso... A doença não é um tiro que a pessoa leva, é uma forma de estabelecer um tipo de relação com a própria situação que ela está vivendo em vários níveis. Aí aparece isso, assim.
Então, é muito importante nós localizarmos esse movimento da energia, como aquilo tudo vai, como é que a vida da pessoa estabelece as condições que vão produzir aqueles sintomas... Essa é a Sabedoria do Espelho, nós vamos olhar de uma forma profunda aquilo, tentar entender aquilo no mundo em que aquilo está surgindo.
No caso, das nossas relações de casal, também é crucial, né? Se a gente consegue entender o outro, manter uma energia própria e entender o outro e se manifestar dentro do mundo do outro de uma forma positiva, nós vamos estabelecer relações super estáveis, né? Especialmente se o outro é capaz de fazer o mesmo... Ele é capaz de olhar pra nós, se alegrar, manifestar uma energia própria e nos ajudar.
Um teste já é assim: como é que funciona nossa energia enquanto a gente está lavando a louça. A gente está lavando aquilo, está lavando as panelas, limpando o fogão... Se a nossa energia vem do fogão sujo, de um modo geral a pessoa entra em colapso. A nossa energia, uma energia própria, se manifesta sobre o fogão, e o fogão... Fica brilhando. Aí tem aquela pilha de louças na cozinha... Final de ano é bom, né? Aí se nossa energia vir da pilha de louças, a situação é grave, né? Mas se vocês tiverem uma energia própria, e avançarem com essa energia própria sobre a pilha de louças, aí aquilo em pouco tempo está arrumado... Se vem alguém pra ajudar, você diz: “Não precisa! Deixa eu praticar aqui a minha meditação, eu estou só inspirando e expirando e a louça tá limpando” (risos). Vocês façam esse exercício, vocês olhem a pilha de louça e parem, aí recuem um pouquinho, aí sorriam e vejam! Exercício maravilhoso, né?
Se eventualmente vocês tomarem alguma coisa - por um descuido, né? (risos) Aí o mundo começa a girar, aí vocês tentem retornar e ver o que acontece... Aí nós também podemos retornar e vir a um nível de lucidez no meio disso... Aí quando o guarda chegar e trouxer o bafômetro você diz: “Isso não mede porque eu volto pra aquele estado atrás e ali não oscila nada.” (risos) O senhor não tá entendendo isso.
Então tem essa questão, do mundo dos seres, aí nós vamos entendendo isso. Sabedoria do Espelho.

[Sabedoria da Igualdade]
Aí tem Sabedoria da Igualdade - super importante nas relações. Sabedoria da Igualdade significa assim: a gente olha pros seres, a gente tem esse espaço livre, agora eu decido o que que eu vou usar nesse espaço livre. Eu vou usar a capacidade de entender os outros no mundo deles e me associar às coisas boas que estão acontecendo com eles. Então, quando eu vejo as coisas boas, promovo as coisas boas dentro do outro, me alegro. Isso existe, tem um número grande de pessoas que tem essa alegria, né? Eu considero que isso é o aspecto humano, o principal, assim... A característica humana principal, né?  Eu não sei se os animais tem isso assim. Eventualmente com os filhos, né? Mas não todos... Os irmãos eu já não sei, um pouco menos, né? (risos) Mas pai e mãe com os filhos, pode ser.
Mas, por exemplo, os filhos estão bem, nós nos alegramos. Nossos amigos estão bem, nós nos alegramos. Mas, pode ser que os nossos amigos estejam bem e a gente fique invejoso. Pode acontecer isso. Um ou outro caso (risos) é assim. Aí a Sabedoria da Igualdade se foi, né? Por quê? Porque o outro está bem e eu não consigo me alegrar porque o outro está bem. Não é incrível isso? Deveria se alegrar, o outro está bem. É uma boa coisa...  Porque que é difícil isso, né?
Às vezes, a nossa Sanga, né? O nosso grupo tem várias instituições. Então, às vezes, surge uma discussão, assim...  A discussão de uma mão com a outra, né? “Estou dando para você, mas eu não sei se eu estou me alegrando em dar para você.” Uma mão dando pra outra, né? É a mesma instituição, mas tem esse hábito mental, né? Eu estou dando para você mas, você está me devendo agora”. Uma mão dando pra outra, é? Não existe isso, as duas mãos são a mesma coisa, né?
Aí tem esse exercício tibetano, você pega alguma coisa e dê para a outra mão. Você sente: “Eu tenho que dar mesmo, né?” (risos) Mas e aí? Vai fazer falta pra mim. Mas você vai dar pra outra mão! Você tem uma luva e aí põe na outra mão! Ó! “Essa?” “Eu vou ficar com frio agora nessa mão!” Então, é muito curioso porque, do mesmo modo que a gente olha para um risco e vê um cubo, a gente olha para um desenho e não vê o desenho. Vê formas e energias. Quando a gente olha para as coisas dentro da perspectiva separativa a gente acaba por se atrapalhar, a gente pensa que uma mão tem prejuízo ao dar pra outra.
Então essas coisas, elas se introduzem, elas são nossas disposições cármicas. Elas vêm e elas aparecem como conteúdo dos outros objetos. É que a gente volta pro espaço livre e manifesta a Sabedoria da Igualdade.

[Festas de fim de ano]
Se a gente quisesse definir as festas de fim de ano num aspecto mais sutil, a gente diria: É a festa da Sabedoria da Igualdade, né? A gente vai se alegrar uns com os outros, nós vamos nos alegrar uns com os outros, a gente vai se reencontrar. Então vocês podem sobreviver às festas de fim de ano com esse olhar, assim. (risos) Sabedoria do Espelho, Sabedoria da Igualdade, né? Aí não importa quem venha, até os irmãos de vocês na festa, assim... Pai e mãe, né? É uma época difícil... Aí aparece ex-namorado, ex-esposa, ex-filho... (risos) Aparece todo mundo e a gente não sabe o que fazer, né? Aí vocês olhem Sabedoria da Igualdade, se alegrem genuinamente que a outra pessoa esteja viva, por mais que vocês tenham rezado antes em outra direção, né? (risos) “Que bom que você está vivo, né? Vamos ver se você resiste ao próximo ano.” (risos) “Que bom” (risos)
Pra nós, a gente tinha que fazer esse exercício genuíno, né? Esse olhar. Aí, se vocês não tão conseguindo, aí vocês pensem eu estou diante de um espaço em que eu estou dando significado, de um campo visual que eu estou dando significado como se fosse um desenho. Aí vocês voltem pro silêncio, peguem lá do fundo, bem do fundo, Sabedoria da Igualdade. Aí: “Agora eu me alegro com esses seres...” Antes de ir pra festa, natal, etc. de fim de ano. Aí vocês façam: Que todos os seres sejam felizes (Lama finge passar as contas do mala), que encontrem as causas da felicidade, que superem o sofrimento e as causas do sofrimento...Todos, sem exceção, né? Você pensa em quem vai estar na festa... “Que ela esteja feliz, que supere o sofrimento, que encontre as causas da felicidade, supere as causas do sofrimento.” Vão olhando, aí vocês se preparam pra festa! Isso é se preparar, né? É a festa da igualdade, Sabedoria da Igualdade. É isso, né? É duro, mas, é isso...

[Sabedoria Discriminativa]
Aí tem Sabedoria Discriminativa, nós também podemos usar esse espaço, agora pra olhar com um olho de realidade. Sabedoria Discriminativa poderia ser assim, como se fosse a espada de Manjushri. Manjushri é aquele que olha tudo com o olho que é, ele corta a ignorância. Então nós estamos na festa e pá: “Você envelheceu, né?” (risos) É honestidade, né? Agora, isso não é nada: “Você vai morrer, entendeu!?” (risos) Sabedoria de Honestidade, né? É assim... Quando vocês abraçarem as pessoas, vocês abracem com Manjushri: “Você tá mais velho e vai morrer!” Aí não dá, né? Não dá... Então, Manjushri é um perigo... Não serve pra festa. (risos)
Mas Manjushri é muito bom pro dia dois de janeiro, né? Bom, agora... Realidade! (risos) E agora... Passou o ano e eu faço o quê, né? Vou ficar nessa confusão, vou acordar ou não vou acordar? Então quando a gente está olhando, como é que nós operamos com nossa energia. De um jeito, de outro… E nós ficamos dependentes.
Então isso é Manjushri cortando esse funcionamento que parece natural, que parece que está tudo bem e ele está lá (Lama faz barulho de faca cortando o ar) trabalhando, Manjushri. Ele trabalha assim (Lama faz sinal de proximidade com os dedos) com Chenrezig; Chenrezig é o bonzinho, né? Compaixão, amor, essa coisa... Mas, por exemplo, como é que a gente pode manifestar compaixão e amor que não sejam lúcidos? Tem que ser compaixão e amor lúcidos, se não for lúcido, não adianta; então, Chenrezig e Manjushri, juntos. Aí, se vocês quiserem lembrar façam um cartão de natal de Manjushri. Bota Manjushri assim na capinha, quando abre está ali: “Todos os seres nascem e morrem.” (risos) Nos alegramos que a gente não morreu ainda. (risos)
Primeira Nobre Verdade: sofrimento. Verdade do Sofrimento. Segunda Nobre Verdade: causas do sofrimento. Aí vem assim, Terceira Nobre Verdade: o sofrimento pode cessar. Ah, aí é bom, né? Quarta Nobre Verdade: existe um caminho para cessação de sofrimento - é só abandonar todas as negatividades... (risos) É assim. Oito passos. Muito simples. É uma boa coisa, é uma boa coisa.
Então, a sabedoria, a lucidez, super importante, né? Nós podemos usar esse espaço pra manifestar a lucidez. Essa lucidez é muito importante na nossa vida, né? Porque, por exemplo, a gente pode ter as relações de casal, nós estamos bem, nós podemos estar felizes, mas é necessário entender como é que tudo gira… Se a gente não tiver essa capacidade, quando surge um problema, a gente não sabe o  que fazer.  Então eu preciso manter essa energia em qualquer circunstância, é o primeiro ponto - não ficar na dependência das coisas. A partir dessa energia usar os vários níveis de lucidez e as várias Inteligências de Sambogakaya. Sabedoria do Espelho, Sabedoria da Igualdade, Sabedoria Discriminativa, Sabedoria da Causalidade. Veja só, é muito importante que mesmo que as coisas estejam indo bem, que a gente entenda que certas ações, elas vão causar problemas e outras vão ser melhores. Umas são melhores e outras são piores, então é melhor fazer as melhores ações e evitar as outras.
É assim, a gente tem que entender isso. Compaixão e ensinar às crianças, ensinar aos outros a como fazer as coisas melhores, isso tudo é compaixão, né?
Então, a Sabedoria da Causalidade, elas às vezes surge como se fosse alguém chato dizendo: “Olha, faça isso e não faça aquilo.” Mas é crucial. Os pais, eles deveriam ajudar aos filhos, mais, deveriam ajudar uns aos outros a fazer as coisas funcionar; os terapeutas, os médicos, eles também têm que ajudar, todo mundo. Nós estamos num processo de educação constante. Eu resolvi essa análise em que o profissional em que mais tempo nós nos conectamos são os professores. A gente está sempre ligado a um processo de educação, a gente está sempre aprendendo. O tempo todo.

[Sabedoria da Causalidade]
Então, a Sabedoria da Causalidade é muito importante, no caso das relações, ela tem um desafio, por exemplo, nós deveríamos realmente manter nossa energia equilibrada independente das circunstâncias. Então, pode vir alguém e nos agredir, a gente não deveria oscilar... A nossa energia não deveria oscilar, por agressão, nem por elogio, por nenhuma circunstância. A gente deveria se manter, assim. Na verdade a agressão não é mais grave do que a sedução. A sedução, ela aparece como se fosse o céu se abrindo pra nós. A gente não tem defesa pra isso, a gente está sempre esperando que alguma coisa sedutora apareça e que a gente então explique que vai fazer algo especial, né? A gente tá buscando um processo desse, aí aparece alguma coisa sedutora e nos leva facilmente.  Então, nós precisamos ter esse equilíbrio de  novo, né? Frente a situações sedutoras e situações ameaçadoras nós inspiramos e expiramos um certo número de vezes, percebemos esse espaço livre, olhamos pra aquilo e escolhemos com que olhar nós vamos olhar... Sabedoria da Causalidade, a gente vê onde é que aquilo vai dar, né? Se aquilo é favorável ou desfavorável, então é muito importante.
Com os filhos também... Às vezes, eles se comportam mal, eles apertam, pesam... As relações de família também, né? Aí, quando vocês estiverem na festa de final de ano também. Aí, vem as pessoas e elas tem uma perturbação natural, depois que elas tomam a terceira - não sei bem o quê - aquilo solta mais...  Aí vocês fiquem serenos, aí eles ainda vão dizer: “Você não está bebendo e está só com essa cara aí.” Aí, ainda assim vocês fiquem serenos, né? “É que eu não tô bem do fígado.” (risos) Aí evitem... Quando vocês sentirem que estão com a sensação de fazer alguma coisa, vocês de novo respirem e lembrem - Sabedoria da Causalidade - não é interessante. É como se fosse a pilha de louça, aquilo está acontecendo mas não é aquilo que vai perturbar você. Aquilo simplesmente se manifesta. Aí tem pessoas especializadas em perturbar gente serena... (risos) Aí você tá sereno e a pessoa:
- Você tá tão sereno...
Aí, começou... E você:
- Ó... (Lama revira os olhos com enfado).
- Você é sempre assim?
E você:
- Só em festa de natal! (risos)
Aquilo é uma realidade. Escapar é um bom treinamento, né? Aí vocês de novo... (Lama inspira e expira com força) “Ó, sim.” Sabedoria da Causalidade, né?

[Sabedoria de Dharmata]
Aí tem Sabedoria de Dharmata. Sabedoria de Dharmata é nós aprofundarmos a lucidez sobre esse estado livre. Percebermos que onde nós estamos ele está sempre presente. Durante a vida, quando nós dormimos à noite e sonhamos, a gente está dentro de um quadro que aparece na nossa mente. A gente está deslizando no meio daquilo. No entanto, esse espaço, ele está livre também. Ele nos acompanha. Quando nós estamos meditando, é isso que nós estamos praticando, né?
Quando nós estamos nos aproximando da morte, é a mesma coisa, né? A gente pode não acreditar, mas agora sim a realidade se apertou e vocês, de novo, enquanto estão respirando, (risos - Lama novamente inspira e expira) vocês vão contando: “Agora eu acho que são as últimas mil.” (risos) “Mais uma...” Aí, tem esse espaço atrás, né? Vejam esse espaço atrás. E quando morreu, aí aparece o além, e você diz: “Esse além também... Fajuto! Samsara.” Aí vocês respiram no além também, assim... (Lama inspira e expira com força) Sim, porquê, no sonho a gente não caminha? Não anda? Pode respirar também... No além também, a gente vai respirar; aí vocês  tem isso que está livre, assim.  Aí aparece aquele ser terrível, a ex-esposa. (risos) Aí você: “Você era uma fraude em vida e aqui também.” Respira.
Aí nós guardamos esse estado, quando a gente diz, Seis Bardos, esse estado atravessa os Seis Bardos. Ou os Seis Bardos não perturbam esse estado.

[Prajnaparamita]
Se tem alguma coisa que se mantém em vida e morte, é isso. Aí de novo, vocês pensam: “E o que é que eu vou fazer com isso? Vou usar Sambogakaya, vou usar as Inteligências de Sambogakaya e atrás da Inteligência de Sambogakaya está Prajnaparamita: Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha.” Nós vamos praticar isso, ou seja, nós retornamos ao silêncio e olhamos as coisas e vemos como elas se movimentam, como elas ganham sentido.
Bonito isso, como é que aquilo tudo ganha sentido ali.  As coisas não tem um sentido amplo, elas ganham sentido dentro das bolhas de realidade, como um filme, tem sentido ali dentro, e aquilo não vem do que nós vemos, aquilo vem… A gente nem está vendo direito, aquilo é o nosso mundo interno aflorando por cima dos riscos e imagens e sons que aparecem. Isso é compreensão da vacuidade, né? A vacuidade aparece na forma, na aparência das coisas, aí nós estamos no meio disso. Isso é Prajnaparamita, a compreensão disso. Aí vocês se divirtam, sentem no cantinho da festa e: “Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha.” E aí: “Quer um champanhe?” “Sim!” E: “Om gate gate paragate parasamgate bodhi svaha” (Lama finge segurar uma taça de champanhe). É assim, serenos.  (Lama finge beber o champanhe e continua com o mantra) (risos) Prajnaparamita.

[Guru Rinpoche]
Aí tem Guru Rinpoche. Guru Rinpoche também, perigo verdadeiro. E o Guru Rinpoche, vocês vejam, ele tem aquilo que a gente chama de Intenção Iluminada, né?  É como ocorre nesses vários Lungs, né? Essas várias Inteligências, todas elas tem. Sambhokagaya tem um Lung. Vocês olham com compaixão os outros seres e brota uma energia em vocês. Não é só o olhar, é que a energia está ali. Então cada uma dessas Inteligências tem uma energia de ativação. O olho brilha, respiração vem e a gente vai seguindo com compaixão, com amor, com alegria, olhando os outros e os entendendo no mundo e vendo Sabedoria da Igualdade, Sabedoria Discriminativa, tem uma energia de ativação operando ali. Guru Rinpoche é aquele que olha o mundo e se interessa pelas pessoas, e se dedica às coisas melhorarem.
Aí Chagdud Tulku Rinpoche, meu mestre, quando foi lá no sul, apareceram muitos seres místicos pra olhar ele, né? Pra entrevistá-lo, delegações de espíritas, gente de outras tradições religiosas, foram perguntar pra ele. E lembro que algumas pessoas diziam isso: “Rinpoche eu vejo um portal de luz aqui.” E Rinponche: “Ah, eu não vejo nada mas, tudo bem.” (risos) E eles começavam a insistir, assim, né?  Aí surgiu a ideia de que a Califórnia ia afundar. Porque o Rinpoche estava na Califórnia e tem aquela falha de Santo André, né? Aí se o mestre vem é porque ele tá escapando e aquilo vai afundar, com certeza, né? Tá escapando de lá vindo pro Brasil... Aí, lá pelas tantas, o Rinpoche resolveu explicar... “Eu não estou vindo porque eu estou achando que aqui é um bom lugar, não é isso... Não é isso. Eu estou vindo porque eu penso que aqui eu posso trazer benefícios.”
Então isso é a posição de um Bodisatva. Isso é com Guru Rinpoche. Ele ficou 111 anos no Tibete, quando terminou aquele período, ele já tinha dado os ensinamentos, as pessoas já tinham ouvido, já tinham entendido, não praticavam direito, né? Porque afinal é assim. Aí tem a despedida dele, ele lascou todo mundo... Mas, ele fez o que ele tinha que fazer, ele deixou os ensinamentos e foi embora, não adianta ele ficar lá. Aí, Guru Rinpoche foi pra onde? Aí Guru Rinpoche foi pra Califórnia (risos), foi pra Austrália (risos), foi ser surfista? Não... O Guru Rinpoche foi pra Terra dos Demônios Canibais. Pense, um lugar piorzinho, assim, nunca mais se ouviu falar dele. Terra dos Demônios Canibais, eu não sei. Mas, o Guru Rinpoche foi pra esses lugares. É importante entender isso, os Bodisatvas eles são meio assim: onde é que você vai? “Agora eu vou lavar a louça!”
Ele tem energia, ele vai ajudar as coisas a andarem, então tem um movimento no mundo, eventualmente vocês vão sentir em vocês também, a vontade de beneficiar as pessoas, de criar Terra Pura, criar lugares favoráveis pras pessoas. Então, isso brota não como uma teoria, brota como uma energia, uma energia autônoma. Não é porque está tudo funcionando bem que a pessoa vai fazer isso. Não, a pessoa vai fazer isso porque isso é uma boa coisa a ser feita, né? Então isso é Guru Rinpoche, né? A energia dele.
Aí vocês vão olhando Sambhogakaya tem uma enorme riqueza. Qual é o sintoma de Sambhokagaya? Qual é a característica de Sambhokagaya? Quando nós descobrimos isso e o outro faz também, ele não perturba a banda, né? Ou seja, tem download pra todo mundo, pode conectar que aquilo funciona. Enquanto as coisas que pertencem ao mundo, se algum tem o outro perde. Se dois pegam cada um pega a metade. Se são três, é um terço. Sambhokagaya não. A gente pega inteira. É como a lua. A gente olha pro céu não está faltando nada, a lua inteira. Você admira que o outro também está vendo, não é? Porque nós estamos vendo inteira, a lua. Sambhogakaya é assim. Então o Buda aponta a lua no céu - você vê lá no cantinho da Roda da Vida - ele aponta a lua. Sambhokagaya. É assim. As Inteligências que estão acima, é muito importante entender isso. Isso é pós vacuidade. A gente entendeu vacuidade, aí tem a pós. Sempre tem a pós, né? A gente entende Sambhokagaya, então a gente usa isso, essas visões, elas são construções, elas vão construir o mundo a partir dessa energia.
Então desejo e apego? Não tem solução. Isso é o Samsara. Mas a nossa vida tem uma solução, a felicidade é possível, nós podemos andar bem no mundo, nós podemos ter boas relações com as pessoas, o mundo pode ser muito melhor. O mundo não é isso que nós estamos vendo, nós vemos o mundo a partir... É como alguém que tá olhando um desenho, como alguém que está olhando um cubo. Nós olhamos o mundo a partir dessas construções que nós temos dentro. Então, o mundo é mágico. O mundo, ele está disponível. As coisas podem ser muito melhores do que são. Agora, a gente olha com os olhos limitados, dentro da Roda da Vida, a partir de orgulho, inveja, desejo, apego, ignorância, raiva, rancor, ódio, medo... Desistência, aí... Aparece um mundo confuso, né?
As histórias de fim de ano, a gente se encontra e vai ouvir muitas coisas aí. Mas, às vezes, isso é muito comum, as pessoas relatam essas coisas, né? Quando a gente está dentro de uma festa dessa, a gente não consegue nem mesmo falar qualquer outra coisa que não seja aquilo. É bonito de ver: a gente fica paralisado. Aquelas bolhas de realidade, elas se estabelecem, mas, no mínimo, a gente lembra. Tem esse espaço livre, tem o ar fresco do lado de fora, tem o céu profundo do lado de fora, o céu está lá. Espero que todos vocês sobrevivam! (risos)

[Perguntas]
Eu acho que a gente tem alguns minutinhos pra alguma pergunta, ou algum protesto também. Uma adição.

Alguém fala:
- Festa de fim de ano, a gente sempre tem a perspectiva da vacuidade, mas também tem… Você tem o espaço da brincadeira, eu gostaria que o Lama falasse um pouco desse espaço que tem um ensinamento também.

Lama:
- É, isso é interessante, né? ou seja, a gente pode usar esses encontros de uma forma melhor, né? Não é isso? Sim, eu acho que a gente pode conviver, a gente brincar com isso, a gente pode ficar com essa postura cautelosa mas também é possível… Na perspectiva da igualdade, também é possível construir na mesma linguagem. E trocar afeto… Com certeza, é Chenrezig. Ele olha aquilo e se comove, né?
Com certeza. Essa inteligência de brincar, eu não sei qual é a idade. (risos) Essa é uma boa inteligência, né? Eu acho que é um lado bom de Prajnaparamita. A gente vai vendo a vacuidade e vai brincando com aquilo, né? Aquilo parece que vai produzindo todas as realidades e a gente vai girando com aquilo, né? Quando a gente ri de alguma coisa é que a gente viu de um jeito e depois viu de um outro jeito. Quando a gente quebra aquela visão, então a gente ri. Então é interessante a gente poder ver de outro jeito e quebrar aquilo e rir também das coisas, isso é bem bom. É uma boa coisa. Encontrar as pessoas e rir também um pouco, uns dos outros, né? Isso é uma boa coisa, das seriedades todas, né?
Eu lembro, tinha uma época em que eu viajava com a Sophia, minha filha pequena… Hoje ela está com vinte anos… Mas ela tinha de 10 a 8 ou de 10 a 12 quando ela viajava comigo. E, às vezes, eu chamava: “Ô Sophia, conta aquela!” E ela contava uma piada pra todo mundo. Aí, eu vou contar uma bem curtinha que ela contava.
É a história de um menino que não queria comer, aí eles chamaram o psicólogo e o psicólogo tentou produzir um tipo de tratamento, um tipo de abordagem e não funcionou. Chamaram outro e não funcionou. Chamaram outro e não funcionou. Aí teve, enfim, um lá que disse: “Eu resolvo! Isso é um assunto que eu resolvo! Não tem problema!” Aí, trouxeram a criança, e ele tentou várias coisas e a criança não comia, não tinha jeito. Aí, no fim ele se incomodou e disse: “Você diga alguma coisa! Alguma coisa você vai ter que comer! Diga o que é que eu vou trazer pra você!” Aí a criança olhou assim… “Minhoca ensopada!” (risos) Aí ele deu um sorriso de vitória… “Claro, agora você vai comer minhoca ensopada! Você pediu!” Ele deu um jeito, fez um crime ecológico, refogou as minhocas, ensopou aquilo e trouxe. Mas a criança era terrível, ele só dizia alguma coisa depois de chorar muito. Aí quando ele trouxe o ensopado de minhoca, a criança começou a chorar: “Uééééééé!” Aí o psicólogo falou: “O quê que foi agora?” Aí ele disse: “Eu não vou comer se você não comer também!” (risos) Aí o outro tava assim, possesso! Aí ele cortou, dividiu na metade: “Então, metade pra cada um!” E a criança: “Uéééééééééé!” E disse: “Você tem que comer primeiro!” (risos) E ele tava assim: croc, croc, croc (Lama faz barulho de homem comendo) Aí ele: “Uééééééééé!” E ele: “Que foi?” E a criança: “Você comeu a minha metade!” (risos)
É assim. Essa eu acho muito boa. Fez o outro comer as minhocas… Então, isso quebra, porque a gente ri, né? Porque a gente vinha pensando de um jeito e aquilo vira, né? E quando vira, vocês vão olhando as caras todas são assim, né? Tem uma energia intensa, aí depois aquilo vira. E a gente ri.
É super importante, né? então a gente está no meio das nossas coisas super difíceis, é como aquilo: Puxou a arma e (Lama faz barulho de esguicho), pronto o outro riu, né? Primeiro levou um susto, né? E depois riu. Aí, pronto. Liquidou. A bolha desaparece, surge uma outra coisa.
Então é isso, nós vamos fazer dedicação e vamos nos despedir.
Que os méritos desse encontro se expandam e toquem a todos. Que o mestre universal da paz e da compaixão, Sua santidade o Dalai Lama, juntamente com todos os mestres de todas as tradições que veiculam esta mensagem, tenham longa vida. Que todos estejam a salvo de gerar pensamentos negativos, o obstáculo mais destrutivo. Que estes pensamentos nunca surjam em nossa mente e que todos os seres também estejam livres de pensamentos negativos.

Então, obrigado. Alegria de reencontrá-los. Obrigado.

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